Evoco uma cena de minha infância:
a professora entrando na sala, e os olhares de cinquenta alunos imediatamente
convergindo sobre ela, à espera do que ia fazer ou dizer. A encenação de um
texto? Uma aula comum? Uma sabatina de improviso?
Os
olhares sobre ela. Durante anos pensei na professora como uma pessoa a ser
olhada, a ser observada, a ser escutada. Mas depois – acho que aí já estava me
tornando adulto – comecei a pensar na professora como uma pessoa que olha. E
como é esse olhar do mestre sobre a classe? Que panorama ele divisa?
Só recentemente, dando palestras a
diferentes grupos de estudantes, me dei conta que, da perspectiva do professor,
há muitas formas de ver os alunos.
Mas há uma que me parece muito
constante: é aquela que divide a classe, mediante uma linha imaginária, em duas
metades, a da frente e de trás.
O aluno da frente é o que chega cedo,
o que vem limpinho e arrumado. Seus lápis estão cuidadosamente apontados, seus
cadernos escrupulosamente cuidados. Ele senta inclinado para a frente; testa
enrugada, olhar fixo, boca entreaberta, ele bebe todas as palavras da
professora, faz anotações, não esquece nada. O aluno da frente é aplicado; ele
sabe tudo; ele tira boas notas, não cola no exame, não conversa com o vizinho
do lado.
Muitas vezes fica depois da aula, faz
perguntas. Nos velhos tempos este aluno era classificado como Caxias, talvez como homenagem ao
infatigável militar que se dedicou – justamente – a impor a ordem e a
disciplina neste país; ou, mais grosseiramente, de cu-de-ferrro, sugerindo um traseiro habituado a longas temporadas
sobre duros assentos (tanto o apelido como a situação se constituindo no terror
da proctologia).
O aluno lá de trás chega depois que a
aula começou. Muitas vezes nem traz livros ou cadernos. Senta atirado para
trás, encostado na parede – o que é um privilégio de poucos, pois nem todas as
filas são a última fila. O aluno lá de trás fuma, diz palavrões, dá tapas nos
colegas da frente e conversa com os do lado. Cola descaradamente na prova, mas
mesmo assim suas notas são péssimas. Contudo, o que melhor caracteriza o aluno
lá de trás são os óculos escuros, particularmente aqueles, hoje raros, de
lentes espelhadas.
Atrás dos óculos escuros o aluno lá
de trás torna-se uma figura enigmática. A professora nunca sabe se ele está
tramando alguma coisa, se está distante, ou mesmo se está dormindo.
Alunos da frente e alunos de trás.
Uma classificação que é inútil, naturalmente: na sociedade competitiva em que
vivemos é muito possível que o aluno da frente se torne um pobre funcionário e
que o aluno de trás se transforme num grande magnata. Mas há outra razão pela
qual esta classificação não importa.
É que em algum lugar da classe há um
aluno que ama desesperadamente a professora, que povoa com a figura dela seus
sonhos e seus devaneios, que suspira por um olhar dela. E este aluno tanto pode
estar sentado na frente como atrás. O amor à professora supera todas as
barreiras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário