Arquivo Público do Estado do Rio Grande
do Sul
Ao apagar das luzes do século
XIX, em novembro de 1899, a então pacata e aprazível Porto Alegre,
capital do estado mais meridional do Brasil, com uma população estimada em
70.000 habitantes, voltava sua atenção para as comemorações que estavam sendo
programadas para festejar a entrada de um novo século.
Entretanto, a nossa Porto Alegre
foi abalada por um tenebroso crime nada relacionado com o fim do mundo, mas
infelizmente comum nas crônicas de todos os agrupamentos humanos: a tragédia
que tirou a vida de uma infeliz mulher do povo e que ficou conhecida na
história como o Crime da Maria Degolada. Esse fato teve tal repercussão que
passou a batizar uma vila popular como o nome de Maria Degolada, o local onde
aconteceu ficou conhecido como o Morro da Maria Degolada, denominações essas
que tendem a desaparecer, pois que o hediondo significado do verbete degolada
está sendo substituído por Conceição, mais precisamente Maria da Conceição,
adotado oficialmente. Esse o drama maior do fim do século em nossa sorridente
capital.
Quase nos estertores de 1899
precisamente no dia 12 de novembro, uma mulher foi brutalmente assassinada por
seu amante. Graças à iniciativa do Arquivo Público do Estado, conservador do
processo alusivo ao fato, foi possível restaurar a verdade.
Os personagens
A vítima chamava-se Maria Francelina Trenes, de
nacionalidade alemã. Contava com 21 anos de idade ao ser assassinada. Está
sepultada no jazigo n° 741 do Campo Santo da Santa Casa de Misericórdia de
Porto Alegre. Era solteira; no processo aparece como amásia do assassino.
O criminoso, Bruno
Soares Bicudo,
29 anos, servia na Brigada Militar com o nome de Brum e não Bruno. Natural de
Uruguaiana, solteiro e analfabeto.
O local
O local onde se desenrolou o drama,
que ficou conhecido como Crime da Maria Degolada, ou da Maria do Golpe,
situa-se na fralda leste do Morro do Hospício, no arraial do Partenon.
Constitui hoje a chamada Vila Popular de Maria da Conceição, mas que o vulgo
continua a batizar de Maria Degolada.
O crime
No dia 12 de novembro de 1899,
quatro soldados do 1°
Regimento de Cavalaria da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, encontrando-se
de folga e por ser um domingo, em plena estação primaveril, acompanhados de
outras tantas mulheres, resolveram aproveitar o dia para os “prazeres de um
pic-nic”. Escolheram para local o Morro do Hospício nas proximidades da Chácara
das Bananeiras, onde serviam.
Após terem saboreado um
churrasco, conforme haviam programado, quando os relógios marcavam mais ou
menos às quinze horas, o soldado de nome Bruno Soares Bicudo, por
motivos de ciúmes, após haver discutido com sua acompanhante, enraivecido e
pretextando mais tarde uma possível agressão da vítima, subjugou-a,
degolando-a.
As testemunhas
Uma das testemunhas, Francisco
Alves Nunes, presente no local e hora do crime, prestou um longo depoimento, do
qual destacamos: “que a vitima entendeu dirigir chufas (gracejos) ao
denunciado, que era seu amásio, dizendo-lhe que tinha outro homem com quem
pernoitar, suscitando-se, por isso, uma discussão entre ambos, a qual,
tornando-se calorosa, deu lugar a que o depoente e seus companheiros intervissem,
chegando mesmo a vítima lançar mão do porrete e de um pedaço de ferro para com
ele agredir o denunciado, que julgando a contenda terminada trataram os
companheiros de tomar café, ficando o denunciado e a vítima a sós, um pouco
retirado deles; que, pronto o café, voltando o depoente a chamar o denunciado
para bebê-lo, notou que ele havia assassinado a vítima, usando de uma faca,
pelo que o depoente e com os demais companheiros promoveram a prisão do denunciado.”
* * * * *
(Do livro “Maria
Degolada – mito ou realidade?”)
Arquivo Público do
Estado do Rio Grande do Sul – Edições EST
Estado de óbito de Maria Francelina Trenes
Estado de óbito de Maria Francelina Trenes
A Imprensa da época noticia o crime
Crime hediondo
Maria Francelina Trenes,
solteira com 21 anos de idade, foi ontem, às 3 horas da tarde, barbaramente
assassinada pelo seu amante Brum* Soares, soldado do 1° Regimento da Brigada
Militar, e empregado nas plantações da chácara do governo do Estado, denominada
Recreio Agrônomo.
O fato delituoso deu-se nos
fundos da chácara do Sr. João de Oliveira Vianna, em frente ao Hospício São
Pedro, onde existe uma grande pedreira.
Pelo depoimento de algumas testemunhas
interrogadas pelo sr. major Andrade, que ali compareceu, vê-se que o autor do
crime e sua amásia, achavam-se naquele lugar a hora acima referida, em
conversação com mais pessoas, quando depois de uma pequena troca de palavras,
Brum lançou mão de uma faca e agarrando Maria Francelina pelos cabelos, deu-lhe
um profundíssimo golpe no pescoço, impiedosamente.
Assim que tivemos conhecimento
do fato criminoso, nos dirigimos àquele local, e deparamos com o mais triste
espetáculo que pode dar-se:
A infeliz vítima achava-se
atirada sobre o capim, debaixo de uma grande árvore, usava vestido e casado
azul, tendo os cabelos todos soltos.
Em redor de si achavam-se alguns
vizinhos, que, como nós, lamentavam aquele tristonho quadro, obra talvez,
diziam eles, de uma dessas tantas tragédias de ciúmes, que são autores os mais
bárbaros dos homens.
O citado ferimento que recebera
Maria Francelina, atingira-lhe o lado direito, na região lateral do pescoço
mostrando um enormíssimo e profundo golpe.
Era
lastimável e contristador o estado da vítima.
O assassino Brum apresenta
também um talho no pescoço, que segundo dizem as testemunhas, tentou degolar-se
após o perpretação do crime.
Tem ele
40 anos ou menos*, é solteiro, indiático e mal encarado.
A sua prisão foi efetuada pelo
cabo comandante do destacamento do referido Recreio, quando depois do crime o
assassino dirigia-se ao rancho, com fim de tomar seu poncho para fugir.
O fato que vimos de narrar, teve
lugar, como dissemos às 3 horas e só às 6 1¤2 foi retirado o cadáver,
quando ali compareceu a autoridade, com dois guardas administrativos,
acompanhados do carro da Assistência Pública.
O major Andrade, depois de
mandar conduzir o corpo para o necrotério da Santa Casa de Misericórdia,
dirigiu-se para o dito rancho do destacamento, onde fez necessário
interrogatório às testemunhas do fato e prosseguindo nas demais diligências.
Para o feroz assassino Brum
Soares é mister que caia toda a ação da justiça, punindo–o enérgica e
severamente, como ao mais covarde dos tiranos.
* 29 anos
* Bruno
* No Atestado de Óbito a grafia é Francellina
(Gazetinha, Porto
Alegre, 13 de novembro de 1899)
(Fonte Museu de
Comunicação Social Hypólito José da Costa)
A figueira, que marcava o exato local do crime, não existe mais.
A figueira, que marcava o exato local do crime, não existe mais.
A figueira que se encontrava no local
onde Maria morreu (foto acima), foi arrancada por um vendaval em data
desconhecida (supostamente década de 60). No local, foi construída uma pequena
Capela em homenagem à jovem, cujas fotos se encontram abaixo.
Túmulo antigo da Maria Degolada
Túmulo da Maria Degolada*
*Na verdade ela não foi enterrada ali, o local apenas marca o local onde ela foi assassinada. Dizem que faz milagres...
Placas de agradecimentos
Placa do centenário de sua morte em 12.11.1999
Foto atribuída à Maria Degolada
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