sábado, 24 de setembro de 2016

Uma homenagem ao mestre do humor

Vocações


Todos diziam que a Leninha, quando crescesse, ia ser médica. Passava horas brincando de médico com as bonecas. Só que, ao contrário de outras crianças, quando largou as bonecas não perdeu a mania. A primeira vez que tocou no rosto do namorado foi para ver se estava com febre. Só na segunda é que foi carinho. Ia porque ia ser médica. Só tinha uma coisa: não podia ver sangue.

‒ Mas Leninha, como é que…

‒ Deixa que eu me arranjo.

Não que ela tivesse nojo de sangue… desmaiava. Não podia ver carne mal passada. Ou Ketchup. Um arranhãozinho era o bastante para derrubá-la Se o arranhão fosse em outra pessoa ela corria para socorrê-la ‒ era o instinto medico ‒, mas botava o curativo com o rosto virado.

‒ Acertei? Acertei?

‒ Acertou o joelho. Só que é na outra perna.

Mas fez vestibular para medicina, passou e preparou-se para começar o curso.

‒ E as aulas de anatomia, Leninha? E os cadáveres?

‒ Deixa que eu me arranjo.

Fez um trato com a Olga, colega desde o secundário. Quando abrissem um cadáver, fecharia os olhos. A Olga descreveria tudo para ela.

‒ Agora estão tirando o fígado. Tem uma cor meio…

‒ Por favor, sem detalhes…

Conseguiu fazer todo o curso de medicina sem ver uma gota de sangue. Houve momentos em que precisou explicar os olhos fechados.

‒ É concentração, professor.

Mas se formou. Hoje é médica, de sucesso. Não na cirurgia, claro. Se bem que chegou a pensar a convidar a Olga para fazerem uma dupla cirúrgica, ela operando com o rosto virado e a Olga dando as coordenadas.

‒ Mais pra esquerda… Aí agora corta!

Está feliz. Inclusive se casou, pois encontrou sua alma gêmea. Foi num aeroporto. No bar onde foi tomar um cafezinho enquanto esperava a chamada para o embarque, puxou conversa com um homem que parecia muito nervoso.

– Algum problema? ‒ perguntou, pronta para medicá-lo.

‒ Não ‒ tentou sorrir o homem. ‒ É o avião…

‒ Você tem medo de voar?

‒ Pavor. Sempre tive.

‒ Então porque voa?

‒ Na minha profissão, é preciso.

‒ Qual é a sua profissão?

‒ Piloto.

Casaram-se uma semana depois.

(Luís Fernando Veríssimo)


Luis Fernando Veríssimo por Baptistão

Luis Fernando Veríssimo nasceu em Porto Alegre no dia 26 de setembro de 1936, portanto fará 84 anos sempre produzindo humor da melhor qualidade.


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