quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Pelo Telefone



Chorões por Belmonte

A versão oficial e a que o povo preferia cantar.

No dia 20 de outubro de 1916, Aurelino Leal, chefe de polícia do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, determinou por escrito aos seus subordinados que informassem “antes pelo telefone” (as aspas são nossas), aos infratores, a apreensão do material usado no jogo de azar. Imediatamente o humor carioca captou a comicidade do episódio, que ao lado de outros foi cantada em versos improvisados nas festas de Tia Ciata e registrado rapidamente por Donga em seu nome, na Biblioteca Nacional. É lógico que os versos “oficiais” eram diferentes daqueles que ridicularizavam o chefe de polícia. Sua versão popular, a que corria na boca das ruas dizia:

Versão oficial (de Donga)

O chefe da folia
Pelo telefone
manda avisar
que com alegria
não se questione
para se brincar.

Ai, ai, ai
deixa as mágoas para trás
ó rapaz!
Ai, ai, ai
fica triste se és capaz
e verás.

Tomara que tu apanhes
pra nunca mais fazer isso
tirar amores dos outros
e depois fazer feitiço...

Ai, a rolinha
Sinhô, Sinhô
é que a avezinha
Sinhô, Sinhô,
nunca sambou
Sinhô, Sinhô,
porque esse samba,
Sinhô, Sinhô,
é de arrepiar,
Sinhô, Sinhô,
põe perna bamba,
Sinhô, Sinhô,
me faz gozar,
Sinhô, Sinhô.

O “Peru” me disse
se o “Morcego” visse
eu fazer tolice,
que eu então saísse
dessa esquisitice
de disse que não disse

Ai, ai, ai
aí está o canto ideal
triunfal
viva o nosso carnaval,
sem rival.

Se quem tira amor dos outros
por Deus fosse castigado
o mundo estava vazio
e o inferno só habitado.

Queres ou não
Sinhô, Sinhô,
vir pro cordão,
Sinhô, Sinhô
do coração,
Sinhô, Sinhô
por este bamba.

Versão das ruas (1916)

O chefe da polícia
pelo telefone
mandou avisar
que na carioca
tem uma roleta
para se jogar...

Ai, ai, ai
o chefe gosta da roleta,
ô Maninha.
Ai, ai, ai
ninguém mais fica porreta,
é, Maninha.

O chefe Aurelino,
Sinhô, Sinhô,
é bom menino.
Sinhô, Sinhô,
pra se jogar,
Sinhô, Sinhô,
de todo jeito,
Sinhô, Sinhô.
O bacará
Sinhô, Sinhô,
o piguelim,
Sinhô, Sinhô,
tudo é assim.

Versão contestatória (1917)

Pelo telefone
A minha boa gente
Mandou avisar
Que meu bom arranjo
Era oferecido
Para se cantar.

Ai, ai, ai
Leve a mão na consciência
Meu bem,
Ai, ai, ai
Mas por que tanta presença, meu bem?

Ó que caradura
De dizer nas rodas
Que esse arranjo é teu!
É do bom Hilário
E da velha Ciata
Que Sinhô escreveu.

Tomara que tu apanhes
Para não tornar a fazer isso
Escrever o que é dos outros
Sem olhar o compromisso.


Ernesto dos Santos, o Donga, registrou,
mas o primeiro samba teve vários compositores.

A letra registrada por Donga, que passou a ser conhecida com original e aparece nas gravações até hoje, é alongada, homenageando o “Peru”, o jornalista Mauro de Almeida, co-autor da obra, e o “Morcego”, Norberto do Amaral Júnior, figura conhecida no Clube dos Democráticos, incorpora também elemento do folclore nordestino.

Cantado em público pela primeira vez (segundo Almirante) no Cinema Teatro Velo, à rua Haddock Lobo, na Tijuca, despertou de imediato a cobiça alheia e – com razão ou sem ela – contestações quanto à autoria de Donga pipocaram de todos os lados. Houve, inclusive uma versão cantada no carnaval de 1917 o verdadeiro tango Pelo Telefone dos carnavalescos João da Mata, o imortal Mestre Germano, Tia Ciata, Hilário, com arranjo do pianista Sinhô, denunciando Donga nas entrelinhas.

 (Pesquisa do fascículo número 1 “Os Grandes Sambas da História”)



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