domingo, 18 de julho de 2021

Os chatos necessários*

 Martha Medeiros

(...) 

Se os abolicionistas não fossem “chatos”, a escravidão não teria fim. Se as sufragistas não fossem “chatas”, mulheres ainda não poderiam votar. Se as feministas não fossem “chatas”, o mercado de trabalho continuaria sendo um reduto masculino e os feminicídios ficariam impunes. 

Não acredito em mundo ideal, mas acredito em um mundo melhor em um mundo, e ele só melhora graças àqueles que não se acomodam, que insistem na busca por igualdade, justiça, evolução, tudo aquilo que os desinformados chamam de mimimi, fechando suas portas para a realidade não entrar. Optam pela alienação, que exige pouco dos neurônios. E é bem mais simpática. 

O assunto merecia ser estendido, mas o espaço está acabando e não sinto nenhum prazer em chatear você. Então concluo: é um privilégio estar viva nesta época histórica em que questões identitárias estão presentes nos debates, nos livros, nas lives, nas entrevistas, a fim de avançarmos, mesmo que lentamente, para uma sociedade em que possamos não apenas assistir a pessoas gays e pretas nos palcos e estádios, mas conviver diariamente com elas dentro da família, e ainda ser tratadas por elas nos hospitais, aprender com elas em salas de aulas, ser defendidas por elas nos tribunais, viajar em aviões pilotados por elas e vê-las receber o mesmo tratamento da polícia. Tire os chatos de cena e adivinhe quando chegaremos lá. 

*Parte de uma crônica de Martha Medeiros, no jornal Zero Hora, julho de 2021.


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