Rafael Lovato*
Mais uma vez, Balian estava no lado de sua mãe cruzando através da vizinhança “Garotada Feliz”, como ele a apelidou. Toda vez que passavam por ela, de certa distância, Balian podia ver a garotada brincando nas margens da baía amarela, correndo e deslizando em suas areias macias. Balian sempre se perguntou como seria brincar naquelas areias douradas, livre para fazer estripulias? Deixar o vento e o sol brincar com sua pele nua? Ele se tornaria completo?
− Por favor, mãe, você poderia parar por um momento?
− O que é desta vez, querido?
− Eu quero vê-los brincar por alguns segundos. Por favor, – disse Balian.
− Somente por um momento.
− Está bem.
Observar a garotada aproveitando a praia ensolarada com suas famílias azedava ainda mais o sabor da solidão na boca de Balian. Ele era o único jovem de sua família. Nenhum dos adultos brincava com ele. Nunca.
Por que ele não possuía irmãos? Por que ele deveria desperdiçar sua juventude trancado longe de diversão e jogos?
− Por que não posso ir lá, mãe?
− Você sabe que esta é uma zona muito perigosa. A família Orsini a controla.
− Sim, mas eles não têm nenhum problema com a gente.
− Por ora, não, mas nunca sabe. Eles são imprevisíveis.
− Nós também somos uma família poderosa. Poderíamos lutar contra eles – disse Balian.
− Confrontação não é nosso ponto forte. Nós temos poder, sim, mas nos faltam as ferramentas. Os Orsini nos comeriam vivos.
− Você está exagerando.
− Não, não estou.
− Perigo há por todo lado, inclusive em casa – disse Balian. – Você quase não me deixa sair, nem mesmo para respirar um pouco de ar fresco.
− Nós perdemos seu pai dessa maneira. Não arriscarei perder você também.
− Podemos pedir para eles virem até a nossa casa para brincar comigo, então?
− Não funciona assim. A vida deles é bastante diferente da nossa.
− De que maneira?
− Eles não se encaixam no nosso mundo e vice-versa.
− Por quê? – Balian perguntou.
− É um direito de nascença. Nós somos apenas... diferentes.
− Eu queria ser um deles.
− Não diga isso. Você é muito afortunado pela vida que você tem.
− Em qual sentido? – Perguntou Balian.
− Você não conhece fome, nem acorda todas as manhãs desejando simplesmente permanecer vivo. Você tem uma família que ama e protege você.
− Eu não tenho o sol.
− Nenhum de nós tem. Com o tempo, você vai se acostumar com isso.
− Papai não se acostumou. Ele estava procurando pelo sol quando…
− Você não sabe se isso é verdade.
− E se eu escolher ser como eles?
− Por que você diz essas coisas? Você sente falta do seu pai, é isso?
− Eu sou... vazio, – disse Balian.
− Você é o que você é. Não há nada que você possa fazer sobre isso.
− O que eu sou?
− Ok, querido, ficamos tempo suficiente aqui. É hora de ir.
− Sim, mãe, é realmente minha hora de ir.
Balian olhou para as outras baleias azuis ao seu redor. Ele era filho de seu pai. Levantando suas nadadeiras caudais, ele nadou diretamente para a praia dourada com suas areias macias repletas de leões marinhos felizes. Ele carregava o sol em seus olhos.
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*O que sempre foi uma paixão de Rafael Lovato, a literatura, agora também ganha reconhecimento internacional. O escritor que é natural de Venâncio Aires, RS, recebeu o primeiro lugar em um prêmio de contos realizado nos Estados Unidos, com a obra intitulada Flukes of destiny, que significa Acasos do destino. Denominado “Flash Fiction Contest: Grifts”, o prêmio foi uma realização do site ‘Asymmetry – short speculative fiction’, do estado americano de Óregon, USA.
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