sábado, 31 de julho de 2021

Nada igual ao pai

 Rafael Lovato*

Mais uma vez, Balian estava no lado de sua mãe cruzando através da vizinhança “Garotada Feliz”, como ele a apelidou. Toda vez que passavam por ela, de certa distância, Balian podia ver a garotada brincando nas margens da baía amarela, correndo e deslizando em suas areias macias. Balian sempre se perguntou como seria brincar naquelas areias douradas, livre para fazer estripulias? Deixar o vento e o sol brincar com sua pele nua? Ele se tornaria completo? 

− Por favor, mãe, você poderia parar por um momento? 

− O que é desta vez, querido? 

− Eu quero vê-los brincar por alguns segundos. Por favor, – disse Balian. 

− Somente por um momento. 

− Está bem. 

Observar a garotada aproveitando a praia ensolarada com suas famílias azedava ainda mais o sabor da solidão na boca de Balian. Ele era o único jovem de sua família. Nenhum dos adultos brincava com ele. Nunca. 

Por que ele não possuía irmãos? Por que ele deveria desperdiçar sua juventude trancado longe de diversão e jogos? 

− Por que não posso ir lá, mãe? 

− Você sabe que esta é uma zona muito perigosa. A família Orsini a controla. 

− Sim, mas eles não têm nenhum problema com a gente. 

− Por ora, não, mas nunca sabe. Eles são imprevisíveis. 

− Nós também somos uma família poderosa. Poderíamos lutar contra eles – disse Balian. 

− Confrontação não é nosso ponto forte. Nós temos poder, sim, mas nos faltam as ferramentas. Os Orsini nos comeriam vivos. 

− Você está exagerando. 

− Não, não estou. 

− Perigo há por todo lado, inclusive em casa – disse Balian. – Você quase não me deixa sair, nem mesmo para respirar um pouco de ar fresco. 

− Nós perdemos seu pai dessa maneira. Não arriscarei perder você também. 

− Podemos pedir para eles virem até a nossa casa para brincar comigo, então? 

− Não funciona assim. A vida deles é bastante diferente da nossa. 

− De que maneira? 

− Eles não se encaixam no nosso mundo e vice-versa. 

− Por quê? – Balian perguntou. 

− É um direito de nascença. Nós somos apenas... diferentes. 

− Eu queria ser um deles. 

− Não diga isso. Você é muito afortunado pela vida que você tem. 

− Em qual sentido? – Perguntou Balian. 

− Você não conhece fome, nem acorda todas as manhãs desejando simplesmente permanecer vivo. Você tem uma família que ama e protege você. 

− Eu não tenho o sol. 

− Nenhum de nós tem. Com o tempo, você vai se acostumar com isso. 

− Papai não se acostumou. Ele estava procurando pelo sol quando… 

− Você não sabe se isso é verdade. 

− E se eu escolher ser como eles? 

− Por que você diz essas coisas? Você sente falta do seu pai, é isso? 

− Eu sou... vazio, – disse Balian. 

− Você é o que você é. Não há nada que você possa fazer sobre isso. 

− O que eu sou? 

− Ok, querido, ficamos tempo suficiente aqui. É hora de ir. 

− Sim, mãe, é realmente minha hora de ir. 

Balian olhou para as outras baleias azuis ao seu redor. Ele era filho de seu pai. Levantando suas nadadeiras caudais, ​​ele nadou diretamente para a praia dourada com suas areias macias repletas de leões marinhos felizes. Ele carregava o sol em seus olhos. 

****** 

*O que sempre foi uma paixão de Rafael Lovato, a literatura, agora também ganha reconhecimento internacional. O escritor que é natural de Venâncio Aires, RS, recebeu o primeiro lugar em um prêmio de contos realizado nos Estados Unidos, com a obra intitulada Flukes of destiny, que significa Acasos do destino. Denominado “Flash Fiction Contest: Grifts”, o prêmio foi uma realização do site ‘Asymmetry – short speculative fiction’, do estado americano de Óregon, USA.

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