(Condensado da “Saturday Review of Literature −
por Channing Pollock)
Ao findar a primeira grande guerra, um pequeno grupo de veteranos
regressou à sua aldeia natal, na França. Muitos dentre eles conseguiram
reconstruir a vida e, de algum modo, prosperar, porém François Lebeau, vítima
de uma intoxicação por gás, não recobrou jamais as forças que perdera, e, não
podendo, em consequência, trabalhar como os outros, caiu aos poucos na pobreza
e na miséria. Contudo, o orgulho o impedia de aceitar a caridade dos amigos e
da gente da aldeia.
Os veteranos costumavam reunir-se num
jantar anual. Em uma dessas ocasiões, realizado o ágape na residência de Jules
Grandin, que fizera fortuna, e se tornara, com a prosperidade, corpulento e
pomposo, exibiu este aos convidados uma moeda curiosa − uma grande peça de ouro
velho sobre cujo valor e antiguidade discursou largo tempo. Todos, porém,
àquela altura, tinham bebido à farta, e, no meio das conversas estrondosas que
ressoavam pela sala, ninguém se lembrava, dentro em pouco, da famosa moeda.
Quando Grandin algum tempo depois voltou a tratar da mesma e perguntou se a
tinham visto, procuraram-na debalde pela sala. A peça de ouro desaparecera!
Correu entre os convivas um murmúrio
de indagações e protestos. Finalmente, o advogado da aldeia sugeriu que se
desse uma busca entre os presentes, no que todos, de logo, aquiesceram - à
exceção de Lebeau. Os circunstantes encararam-no surpresos:
- Pois
se recusa a isso? perguntou-lhe Grandin, sem ocultar o espanto.
Ao que
Lebeau respondeu, corando:
- Sim,
senhor. Não posso permitir isso.
- Mas
você sabe − fez-lhe ainda ver o dono da moeda − o que essa recusa dá a entender?...
- Nunca pratiquei um roubo,
e não vejo porque hei-de submeter-me a essa busca, retrucou-lhe Lebeau.
Os outros, no entanto, um a um,
esvaziaram os bolsos. Não aparecendo a moeda, todos os olhares se voltaram,
novamente, para o pobre Lebeau.
- Você continua mesmo
recusando? insistiu outra vez, irritado, o advogado, dirigindo-se a ele. Porém
Lebeau nem sequer respondeu. Grandin retirou-se da sala. Ninguém mais, desde
então, se dirigiu a Lebeau, que, entre os olhares desdenhosos dos amigos, saiu dali
como um criminoso, voltando à casa de cabeça baixa.
Daquele dia em diante, tornou-se-lhe a
existência uma desgraça. As pessoas da aldeia desviavam os olhos quando o viam.
Empobreceu cada vem mais e, ao morrer-lhe a mulher tempos depois, ninguém soube
se morrera de fome ou de vergonha.
Decorridos alguns anos, quando o
incidente já se fizera lenda no lugar, Grandin mandou fazer certas alterações
na casa. Durante as obras, um dos operários encontrou a moeda, presa entre as
tábuas do soalho, e coberta de pó, na sala em que o jantar fora servido.
Apesar dos seus modos afetados e dos
ares pomposos que ostentava, Grandin era no fundo um justo, e, ao ter a prova
da inocência de Lebeau, quis sem demora reparar a injustiça que fora cometida.
Foi ter depressa à casa deste, e, contando a maneira extraordinária por que a
moeda reaparecera, pediu-lhe encarecidamente desculpas a infundada suspeita.
- Mas, (ajuntou) já que
você sabia que a moeda não estava nos seus bolsos, por que motivo se recusou à
busca?
Lebeau, aflito, acabrunhado, e,
prematuramente envelhecido, respondeu, pondo nele uns olhos tristes:
- Porque, de fato, eu havia
cometido um furto. Minha família e eu, naquelas últimas semanas, não tínhamos
tido comida que bastasse; por isso, no decurso do jantar, enchi os bolsos do
que pude apanhar de alimentos, em sua mesa, para levar aos filhos e à mulher
que deixara em casa famintos.
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(Fonte: Seleções do Reader′s
Digest de Outubro de 1942)
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