Monja Coen
(Da revista Bons
Fluidos)
Dois monges caminhavam juntos na
Índia antiga. Buda havia recomendado que fossem dois a dois para que não se
desviassem do Caminho.
Chegaram à margem de um rio caudaloso.
Quando estavam adentrando o rio, uma jovem se aproximou correndo, esbaforida,
pedindo que a ajudassem a atravessar. Tratava-se de uma emergência. Precisava
ir ao outro lado imediatamente. O caso era de vida ou morte.
Um dos monges se recusou e atravessou
o rio sozinho. O outro deu as mãos à jovem e a levou em segurança até a outra
margem. Ali se despediram.
Os dois monges continuaram a
caminhando lado a lado. O que havia atravessado sozinho estava furioso. Passada
mais de uma hora, o outro monge perguntou ao companheiro por que estava tão mal-humorado,
e ele respondeu: “Você deu as mãos àquela jovem. Nossos preceitos monásticos
nos proíbem de tocar numa mulher. Você não está envergonhado?”. O outro monge respondeu
prontamente: “Eu a ajudei e a deixei à margem do rio. Você a continua
carregando até aqui”.
Muitas vezes assim o fazemos.
Carregamos conosco nossos apegos e aflições. Nossos amores e aversões. A carga
fica pesada e não conseguimos soltar, abrir mão.
Na época que pratiquei no templo
Hosshinji, na província de Fukui, descobri, certa manhã, que do outro lado do
riacho havia uma casa parecida com um pequenino templo. Aproximei-me. A senhora
monja que dali cuidava me abriu as portas e explicou: “Aqui foi a pousada do
grande Mestre Harada Sogaku Rôshi. Professor do atual abade de Hosshinji,
Harada Sekken Rôshi, e do abade desse templo vizinho. Ambos irmãos do Darma. Ao
envelhecer e se aposentar, Harada Rôshi veio morar aqui. Eu era sua assistente
pessoal. Ele se foi, mas eu continuo servindo a ele. Todas as manhãs, sirvo o
chá de que gostava, no horário em que estava acostumado”.
Aquela conversa me fez sentir um
arrepio. A casa era mantida como se o mestre ainda estivesse vivo e por ali
andasse, bebendo chá, comendo os alimentos e fazendo entrevistas individuais
com os praticantes que o procuravam. Acompanhada pela monja, visitei a morada.
Estava intacta – e ela se orgulhava disso. Mantinha a casa em perfeito estado
de limpeza e harmonia. Havia pouca luz e, naquela penumbra, parecia sentir a
presença do mestre.
Ao sair da casa, ela me deu o
ensinamento principal de Harada Rôshi, que até hoje transmito aos meus
discípulos e discípulas: “Abra as mãos. Mantenha as mãos abertas e nelas caberá
todo o universo. Um pequeno fio que segure, uma pedrinha, uma ideia, um conceito,
e estará limitada. Abra as mãos e deixe que o universo as preencha com o
tudo-nada”.
Saí de lá tendo a certeza de que
encontrara Harada Rôshi e, como se diz nas preces que fazemos para monges e
monjas falecidos, repeti mentalmente: “O verdadeiro corpo dos ensinamentos não
aparece nem desaparece.”
Assim, novamente me comprometi a levar
adiante os ensinamentos de Buda para que todas as pessoas possam se libertar
dos apegos e encontrar a grande felicidade.
*****
Monja Coen é fundadora da Comunidade
Zen Budista Zendo Brasil e, com suas palavras amorosas, convida à prática do
respeito ao próximo. Publicou pela Ed. Planeta A Sabedoria da Transformação:
Reflexões e Experiências, de onde extraímos o texto acima.
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