Conto de Narja T. S.
Machado
Mudou-se para o edifício em maio. Chegou com a
sacola vermelha pesando numa mão e o menino agarrado na outra. Este menino tinha
o cabelo crespo balançando e o andar cadenciado.
O menino era sério. Dele, parece-me,
no momento foi só o que notei. Mas dela havia o fato de vestir a blusa verde
com bordados nas mangas, a calça escura de veludo e trazer a gabardine nas
costas. Nós a notamos da janela do nosso primeiro andar, porque era muito
bonita e usava a tal gabardine, na tardinha quente de maio.
Soubemos, depois, que estava no
apartamento vizinho ao nosso, e passamos a ouvir seu canto quase todas as
manhãs.
Um dia, pediu-nos que ficássemos com
o menino enquanto saía. E pediu meigo, com um jeito travesso de olhar e falar.
O menino nos pareceu quieto. Mais triste que quieto. Aceitamos.
Veio
buscá-lo à noitinha. Entrou e sorriu-nos sacudindo o cabelo crespo:
– Não
incomodou?
E segurou-o pela mão. Ele era quieto,
mais triste que quieto. Tinha ficado junto à janela, passando os dedos na
persiana e acompanhando o movimento dos carros. Até gostamos dele...
Depois, muitas outras vezes, ainda
ficamos com o menino, enquanto ela saía. E voltava sempre com seu sorriso, o
olhar se demorando na gente e o levava. Agradecia-nos e perguntava se ele havia
incomodado. Claro que não, ficava sempre conosco com o olhar perdido no barulho
dos automóveis, por entre as persianas e nada pedia. Pouco nos falava.
Mas parecia gostar de nós, e quando
o trazíamos para junto da gente, ele ficava mais quieto ainda, olhos baixos,
imóvel, batendo forte o coração.
Um dia nos sorriu. Não, uma noite.
Foi assim, ela não veio buscá-lo à tardinha e ele ficou encostado na janela,
movimentando os dedos, perdidos nos automóveis. Então, o colocamos na cama. E
lhe demos leite quente. E afagamos seu cabelo. Sorriu-nos e percebemos que algo
tinha mudado, nele ou em nós.
Na manhã
seguinte, ela nos chegou com jeito distraído, pedindo desculpas:
– Mas não
incomodou?
Sorriu-nos
mais demorado e o levou. Da porta ficamos a olhá-lo, dócil e calmo, seguindo a
mão dela.
Bom, então aconteceu que ela nos
deixou o menino e se foi, com a calça escura e o cabelo crespo. E ele ficou à
janela. À noite choveu, muito forte, e ele ficou assustado. Mas tomou sopa e
adormeceu entre cansado e impaciente. Não entendo porque, mas pareceu-nos muito
cansado.
Não veio
buscá-lo.
Antes do almoço, a vimos descer com a
valise vermelha na mão e a gabardine no braço. Ainda a chamamos da janela, mas
ela não nos olhou. Então, corremos escada abaixo, sem compreender bem a
situação. E da porta do edifício ainda a chamamos, enquanto ela entrava no
táxi. E se foi. Ficamos parados na calçada. De longe, acenou-nos com a mão,
como se não mais fosse voltar.
E novamente subimos ao nosso primeiro
andar. Sem jeito para saber o que fazer ou o que pensar. Na janela ficou-nos o
menino, com os dedos calmos se movimentando pela persiana e os olhos
incrivelmente perdidos no movimento dos carros.
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