Mentor Neto*
Ninguém sabe
o seu nome real.
Conheci pelo
apelido do bar, que pegou: Brasílio.
Brasílio é o
último brasileiro que ainda tem esperança no Brasil.
Esperança
mesmo. Inabalável.
E não é de hoje, vou dar uns exemplos.
Quando
Tancredo foi internado, Brasílio garantiu:
– ‘Ces sabem o que é isso?
Apendicite. Meu primo teve. Em uma semana está de volta à ativa. − explicando
porque tinha comprado uma passagem para Brasília para assistir à posse.
O bar, aliás,
é o palanque do Brasílio.
É ali que,
nos finais de tarde, ele divide sua esperança infindável no País.
Os amigos,
claro, já sabem e se divertem.
Fazem
perguntas justamente para provocar.
Como o dia
que perguntaram para ele o que achava do período da ditadura militar.
– Olha, a
gente tem sempre que ver o lado bom, por exemplo…
Percebem?
Brasílio é assim. Tem esperança no futuro e
até no passado!
Tem fé. Não
só em Deus, mas nas coisas e nas pessoas.
Nas diretas
já, Brasílio dormiu com a cara pintada por duas semanas.
– Tem de
apostar, gente. Tem que se comprometer. Senão a vida não muda!
Foi fiscal
do Sarney.
Tanto que o
gerente do supermercado do bairro proibiu sua entrada, de tão chato que era.
Na época do
Collor, quando a Zélia arrancou o dinheiro de todo mundo, ele mandou essa:
– Se
precisam de dinheiro, nada mais justo que nós colaborarmos.
Quando a inflação era de quatro
dígitos, Brasílio foi visto comprando uma geladeira a prazo.
– É simples: se a gente parar de
consumir, aí é que o País para mesmo.
Desemprego,
corrupção, segurança não é problema para o Brasílio.
– Sabe o que
é isso tudo? Dores do crescimento. Um sinal de que o País está crescendo.
Não importa
o assunto, Brasílio sempre tinha uma palavra de otimismo.
De crença
num futuro melhor.
No Maracanã, quando estava cinco a um
para a Alemanha, ele, na arquibancada, levantou para puxar o coro:
– Vai virar!
Vai virar! Vai virar!.
Tomou um copo
de urina na nuca.
No dia que
Lula afirmou que a crise de 2008 era só uma marolinha, Brasílio comprou ações
da Petrobras.
Mas não
achem, por isso, que Brasílio é petista ou mesmo de esquerda.
Brasílio
nunca teve uma posição política clara.
– Eu voto no candidato que está na
frente das pesquisas. Eleição não é jogo. Se o povo aposta, eu aposto também.
Veio o
Mensalão e o Petrolão.
Veio a
Dilma.
Nada do
Brasílio desanimar.
Para ele o
importante não eram os problemas.
– Mas gente, não estão investigando?
Não estão prendendo? Então, pô. Democracia é isso mesmo. Um processo. Leva
tempo, mas a gente chega lá.
Faz um tempão
que eu não via o Brasílio.
Essa semana meio desanimado com tanta
bandalheira e principalmente com a frase que mais se ouve: “o pior é que não
tem em quem votar, é ou não é?”, resolvi passar pelo bar para ouvir o que ele
tem a dizer.
Quem sabe,
né?
Cheguei lá e
encontrei a turma toda reunida, como sempre.
Menos
o Brasílio.
Sentei, pedi
uma cerveja, esperei uma brecha no papo e perguntei:
– E o Brasílio, hein pessoal? Por onde anda?
– Como assim?
Você não sabe o que aconteceu com o Brasílio??? — o Gordo perguntou.
– Nossa… não
sei… coisa grave, morreu?
Não tinha
morrido.
O Gordo mesmo
respondeu.
– Quem dera
tivesse morrido. Muito pior. Mudou para a Argentina.
Aí
complicou.
(Crônica da coluna Última
Palavra, revista IstoÉ, março de 2018)
*****
*Mentor Muniz Neto, 51, é
escritor. Mora em São Paulo
com suas filhas Manuela, Olívia e Catarina e escreve crônicas do cotidiano que
às vezes parecem realismo fantástico.
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