sexta-feira, 20 de julho de 2018

A última esperança

Mentor Neto*


Ninguém sabe o seu nome real.
Conheci pelo apelido do bar, que pegou: Brasílio.
Brasílio é o último brasileiro que ainda tem esperança no Brasil.
Esperança mesmo. Inabalável.
E não é de hoje, vou dar uns exemplos.
Quando Tancredo foi internado, Brasílio garantiu:
– ‘Ces sabem o que é isso? Apendicite. Meu primo teve. Em uma semana está de volta à ativa. − explicando porque tinha comprado uma passagem para Brasília para assistir à posse.
O bar, aliás, é o palanque do Brasílio.
É ali que, nos finais de tarde, ele divide sua esperança infindável no País.
Os amigos, claro, já sabem e se divertem.
Fazem perguntas justamente para provocar.
Como o dia que perguntaram para ele o que achava do período da ditadura militar.
– Olha, a gente tem sempre que ver o lado bom, por exemplo…
Percebem?
Brasílio é assim. Tem esperança no futuro e até no passado!
Tem fé. Não só em Deus, mas nas coisas e nas pessoas.
Nas diretas já, Brasílio dormiu com a cara pintada por duas semanas.
– Tem de apostar, gente. Tem que se comprometer. Senão a vida não muda!
Foi fiscal do Sarney.
Tanto que o gerente do supermercado do bairro proibiu sua entrada, de tão chato que era.
Na época do Collor, quando a Zélia arrancou o dinheiro de todo mundo, ele mandou essa:
– Se precisam de dinheiro, nada mais justo que nós colaborarmos.
Quando a inflação era de quatro dígitos, Brasílio foi visto comprando uma geladeira a prazo.
– É simples: se a gente parar de consumir, aí é que o País para mesmo.
Desemprego, corrupção, segurança não é problema para o Brasílio.
– Sabe o que é isso tudo? Dores do crescimento. Um sinal de que o País está crescendo.
Não importa o assunto, Brasílio sempre tinha uma palavra de otimismo.
De crença num futuro melhor.
No Maracanã, quando estava cinco a um para a Alemanha, ele, na arquibancada, levantou para puxar o coro:
– Vai virar! Vai virar! Vai virar!.
Tomou um copo de urina na nuca.
No dia que Lula afirmou que a crise de 2008 era só uma marolinha, Brasílio comprou ações da Petrobras.
Mas não achem, por isso, que Brasílio é petista ou mesmo de esquerda.
Brasílio nunca teve uma posição política clara.
– Eu voto no candidato que está na frente das pesquisas. Eleição não é jogo. Se o povo aposta, eu aposto também.
Veio o Mensalão e o Petrolão.
Veio a Dilma.
Nada do Brasílio desanimar.
Para ele o importante não eram os problemas.
– Mas gente, não estão investigando? Não estão prendendo? Então, pô. Democracia é isso mesmo. Um processo. Leva tempo, mas a gente chega lá.
Faz um tempão que eu não via o Brasílio.
Essa semana meio desanimado com tanta bandalheira e principalmente com a frase que mais se ouve: “o pior é que não tem em quem votar, é ou não é?”, resolvi passar pelo bar para ouvir o que ele tem a dizer.
Quem sabe, né?
Cheguei lá e encontrei a turma toda reunida, como sempre.
Menos o Brasílio.
Sentei, pedi uma cerveja, esperei uma brecha no papo e perguntei:
– E o Brasílio, hein pessoal? Por onde anda?
– Como assim? Você não sabe o que aconteceu com o Brasílio??? — o Gordo perguntou.
– Nossa… não sei… coisa grave, morreu?
Não tinha morrido.
O Gordo mesmo respondeu.
– Quem dera tivesse morrido. Muito pior. Mudou para a Argentina.
Aí complicou.

(Crônica da coluna Última Palavra, revista IstoÉ, março de 2018)
  
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*Mentor Muniz Neto, 51, é escritor. Mora em São Paulo com suas filhas Manuela, Olívia e Catarina e escreve crônicas do cotidiano que às vezes parecem realismo fantástico.


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