O coronel Hortêncio
Rodrigues e esposa
Duas de 23
O coronel Hortêncio Rodrigues foi um
dos principais lugar-tenentes de Honório Lemes, na Revolução 23.
Fazendeiro em São Francisco de
Assis, homem de algumas luzes, desempenado e enxuto de carnes, o coronel
Hortêncio afamazou-se, sobretudo, por sua valentia pessoal que, com perdão pelo
lugar comum, chegava às raias da loucura.
Seus homens − todos recrutados por
ele − pouco ou nada ficavam a dever ao chefe. Seu piquete, por isso, era dos
mais temidos por parte dos chimangos de Flores (da Cunha). Com uma vincha
colorada cinchando a copa do chapéu, havia quem os chamasse de “cardeais a
cavalo”.
A qualquer outro tipo de combate
preferiam o encontro corpo a corpo, quando as lanças, espadas e adagas de bom
fio eram manejadas por mãos hábeis. Usando a hoje chamada “técnica de
guerrilhas”, a maioria das vezes o coronel Hortêncio surpreendia o adversário
acampado. Quando a guarda de ronda ou os “bombeiros” alertavam o acampamento,
os “cardeais” já estavam em cima, levando a encontro de cavalo e golpes de arma
branca quem estivesse pela frente.
No combate de Ponche Verde, a estratégia
foi um pouco diferente. Ao comando de Honório Lemes, o Leão do Caverá,
Hortêncio Rodrigues obrigou-se, com sua gente, a ocupar uma das alas das forças
maragatas. Batista Luzardo comandava outra ala, próxima da sua.
Momentos antes do toque de “Avançar!”,
o coronel Hortêncio escaramuçou o cavalo frente a seus gaúchos. As forças de
Flores estavam a alcance de tiro e, com elas, os castelhanos de Nepomuceno
Saraiva, famosos − mercenários que eram − pela fúria com que se atiravam ao
combate e pelo saque que, após os sangrentos encontros, praticavam nos
adversários abatidos. Desse levavam tudo, deixando-os praticamente nus.
Não os temia, entretanto, o coronel
Hortêncio. De acima de seu zaino-estrela, fronteando seus homens, lascou a
ordem de combate que a tradição oral carreou para este causo:
− Minha gente! Como já dizia Napoleão
Bonaparte nas grimpas da Serra da Mantiqueira, allá jacta est! Ou, pra vocês que
são mais burros, nem que entremo chão adentro! Kibibibibiu!
E foi aquela trovoada de cascos na
coxilha...
*****
Nesse mesmo combate, onde a vantagem
foi dos maragatos, um dos homens do coronel Hortêncio destacava-se pelos
certeiros golpes de espada com que abatia um grupo de mercenários orientais −
esses já em desvantagem numérica.
Um dos castelhanos, muito bem a
cavalo, cerrou esporas na montada e veio de trás, com lança em riste. Seu alvo era o
mulato que abria clarões a ferro-branco. O taura pressentiu o avanço
velocíssimo do contrário. Abriu o cavalo no momento preciso, a lança passou-lhe
de raspão e sua espada − uma navalha! − atorou rente ao pescoço a cabeça do
castelhano.
Se minto é por boca alheia: tal foi a
rapidez do golpe que a cabeça do chimango voou pelos ares. Já destacada do
corpo, ainda berrou pela boca desdentada:
− Que golpe bárbaro, mi madre!!!
(Do livro “Rapa de
Tacho 2 Causos Gauchescos,
De Apparício Silva
Rillo)
Força de Honório
Lemes – 1923
O meu par de boleadeiras,
Que boleou muito bagual,
Eu vou deixar, afinal,
Para bolear brasileiros
Que fugiram traiçoeiros
Do Partido Federal.
Do meu chapéu a divisa,
Deixo nesta ocasião
Para o museu da nação.
Deste país brasileiro
Para verem que um tropeiro
Também faz revolução.
Décima de autoria do próprio
Honório Lemes mandada publicar no jornal A Plateia de Livramento por Rui
Fernandes Barbosa/ que recebeu os originais de Cacílio Lima, morador de Batoví,
distrito de São Gabriel, RS.
Honório Lemes da Silva, conhecido
como “O Leão do Caverá” (Cachoeira do
Sul, 23 de setembro de 1864 − Rosário do
Sul, 30 de setembro de 1930) foi um tropeiro
e proprietário
de pequena estância brasileiro, pobre e quase analfabeto
que, patriota, liberal convicto e admirador de Gaspar da Silveira Martins, ao rebentar a revolução federalista, em 1893 (29 anos), ingressou
como simples soldado nas fileiras revolucionárias, chegando ao posto de coronel.
Terminada a luta em 1895
(31 anos), voltou a se dedicar às lides campeiras.
Em 1923 (59 anos) voltou a
pegar em armas, dessa vez para lutar contra a posse de Borges de Medeiros, que havia sido reeleito
para o quinto mandato consecutivo no governo gaúcho. Em novembro do ano
seguinte voltou a rebelar-se, dessa vez em apoio aos jovens oficiais militares
que, liderados por Luís Carlos Prestes, sublevaram unidades do Exército no interior gaúcho contra o governo do
presidente Artur Bernardes. Em 1925 (61 anos) foi preso e
levado para Porto Alegre, porém, conseguiu fugir e
exilou-se na Argentina.
Apoiou a candidatura presidencial derrotada de Getúlio
Vargas em 1930.
Exerceu a profissão de carvoeiro,
e deixou sua família na extrema miséria após sua morte, poucos dias antes do
início do movimento armado que levaria Vargas à presidência da República.
Nenhum comentário:
Postar um comentário