segunda-feira, 30 de julho de 2018

Um acontecimento típico gaúcho



O coronel Hortêncio Rodrigues e esposa

Duas de 23

O coronel Hortêncio Rodrigues foi um dos principais lugar-tenentes de Honório Lemes, na Revolução 23.

Fazendeiro em São Francisco de Assis, homem de algumas luzes, desempenado e enxuto de carnes, o coronel Hortêncio afamazou-se, sobretudo, por sua valentia pessoal que, com perdão pelo lugar comum, chegava às raias da loucura.

Seus homens − todos recrutados por ele − pouco ou nada ficavam a dever ao chefe. Seu piquete, por isso, era dos mais temidos por parte dos chimangos de Flores (da Cunha). Com uma vincha colorada cinchando a copa do chapéu, havia quem os chamasse de “cardeais a cavalo”.

A qualquer outro tipo de combate preferiam o encontro corpo a corpo, quando as lanças, espadas e adagas de bom fio eram manejadas por mãos hábeis. Usando a hoje chamada “técnica de guerrilhas”, a maioria das vezes o coronel Hortêncio surpreendia o adversário acampado. Quando a guarda de ronda ou os “bombeiros” alertavam o acampamento, os “cardeais” já estavam em cima, levando a encontro de cavalo e golpes de arma branca quem estivesse pela frente.

No combate de Ponche Verde, a estratégia foi um pouco diferente. Ao comando de Honório Lemes, o Leão do Caverá, Hortêncio Rodrigues obrigou-se, com sua gente, a ocupar uma das alas das forças maragatas. Batista Luzardo comandava outra ala, próxima da sua.

Momentos antes do toque de “Avançar!”, o coronel Hortêncio escaramuçou o cavalo frente a seus gaúchos. As forças de Flores estavam a alcance de tiro e, com elas, os castelhanos de Nepomuceno Saraiva, famosos − mercenários que eram − pela fúria com que se atiravam ao combate e pelo saque que, após os sangrentos encontros, praticavam nos adversários abatidos. Desse levavam tudo, deixando-os praticamente nus.

Não os temia, entretanto, o coronel Hortêncio. De acima de seu zaino-estrela, fronteando seus homens, lascou a ordem de combate que a tradição oral carreou para este causo:

− Minha gente! Como já dizia Napoleão Bonaparte nas grimpas da Serra da Mantiqueira, allá jacta est! Ou, pra vocês que são mais burros, nem que entremo chão adentro! Kibibibibiu!

E foi aquela trovoada de cascos na coxilha...

*****


Nesse mesmo combate, onde a vantagem foi dos maragatos, um dos homens do coronel Hortêncio destacava-se pelos certeiros golpes de espada com que abatia um grupo de mercenários orientais − esses já em desvantagem numérica.

Um dos castelhanos, muito bem a cavalo, cerrou esporas na montada e veio de trás, com lança em riste. Seu alvo era o mulato que abria clarões a ferro-branco. O taura pressentiu o avanço velocíssimo do contrário. Abriu o cavalo no momento preciso, a lança passou-lhe de raspão e sua espada − uma navalha! − atorou rente ao pescoço a cabeça do castelhano.

Se minto é por boca alheia: tal foi a rapidez do golpe que a cabeça do chimango voou pelos ares. Já destacada do corpo, ainda berrou pela boca desdentada:

− Que golpe bárbaro, mi madre!!!

(Do livro “Rapa de Tacho 2 Causos Gauchescos,
De Apparício Silva Rillo)


Força de Honório Lemes – 1923

 Testamento de Honório Lemes

O meu par de boleadeiras,
Que boleou muito bagual,
Eu vou deixar, afinal,
Para bolear brasileiros
Que fugiram traiçoeiros
Do Partido Federal.
Do meu chapéu a divisa,
Deixo nesta ocasião
Para o museu da nação.
Deste país brasileiro
Para verem que um tropeiro
Também faz revolução.

Décima de autoria do próprio Honório Lemes mandada publicar no jornal A Plateia de Livramento por Rui Fernandes Barbosa/ que recebeu os originais de Cacílio Lima, morador de Batoví, distrito de São Gabriel, RS.


Honório Lemes da Silva, conhecido como “O Leão do Caverá” (Cachoeira do Sul, 23 de setembro de 1864Rosário do Sul, 30 de setembro de 1930) foi um tropeiro e proprietário de pequena estância brasileiro, pobre e quase analfabeto que, patriota, liberal convicto e admirador de Gaspar da Silveira Martins, ao rebentar a revolução federalista, em 1893 (29 anos), ingressou como simples soldado nas fileiras revolucionárias, chegando ao posto de coronel. Terminada a luta em 1895 (31 anos), voltou a se dedicar às lides campeiras.

Em 1923 (59 anos) voltou a pegar em armas, dessa vez para lutar contra a posse de Borges de Medeiros, que havia sido reeleito para o quinto mandato consecutivo no governo gaúcho. Em novembro do ano seguinte voltou a rebelar-se, dessa vez em apoio aos jovens oficiais militares que, liderados por Luís Carlos Prestes, sublevaram unidades do Exército no interior gaúcho contra o governo do presidente Artur Bernardes. Em 1925 (61 anos) foi preso e levado para Porto Alegre, porém, conseguiu fugir e exilou-se na Argentina. Apoiou a candidatura presidencial derrotada de Getúlio Vargas em 1930.

Exerceu a profissão de carvoeiro, e deixou sua família na extrema miséria após sua morte, poucos dias antes do início do movimento armado que levaria Vargas à presidência da República.


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