Para Cissa
Oh, pedaço de mim.
Oh, metade arrancada de mim,
Leva o vulto teu,
Que a saudade é o revés de um parto.
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu.
Oh, metade arrancada de mim,
Leva o vulto teu,
Que a saudade é o revés de um parto.
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu.
Pedaço de mim
Chico Buarque ara a peça “Ópera do malandro”, de Chico Buarque.
As mães têm pavor de
telefonemas de madruga. As mães têm sobressaltos e não pegam no sono para valer
enquanto seus filhos não estão todos em casa, a salvo, de preferência dormindo
serenamente, enrolados sob os edredons. As mães temem as más companhias. As
mães morrem de medo da violência reinante. As mães abominam as drogas e, se
pudessem, seus filhos jamais tomariam nem aquele porre de iniciação à vida de
macho, digamos assim. Ou aquela tentadora e, por vezes, aliciante flûte de champagne que o namorado da vez
oferece à sua filhinha. As mães têm pavor a cada noite em que seus filhos saem
dirigindo. Carros, motos, bicicletas. O “outro” pode causar a desgraça. Quantas
vezes as mães dizem isso a seus filhos – principalmente àqueles, no fim da
adolescência, que se acham invencíveis, imortais, com superpoderes dos super-heróis
que não são. As mães sentem todas as dores dos filhos. As físicas e as morais.
As mães têm pavor de telegramas,
quando seus filhos estão viajando.
Mãe é mãe. São todas iguais.
As mães têm medo que seus filhos
caiam nas mãos de policiais corruptos, de policiais que fazem vista grossa a
gritantes evidencias e liberem aqueles outros filhos de mães atentas, que
sofrem, que não dormem enquanto eles não chegam.
Mas mesmo as melhores mães, elas
também não têm superpoderes. Quantas vezes pedem a seus filhos que não corram?
Que não se metam em pegas? Que pratiquem a direção segura? Quantas mães já não
ameaçaram tirar a carro, não pagar a multa, não bancar o conserto? Quantas?
Não tenho mais o que te falar, amiga,
e grande mãe. Te ofereço o meu carinho e a minha solidariedade. De mãe para
mãe.
Anna Ramalho, no JB
de 24.07.2010
A atriz Cissa Guimarães perdeu
seu filho (Rafael) colhido por um carro quando praticava skate no Rio de
Janeiro.
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