terça-feira, 24 de agosto de 2021

No filme, o discurso emocionante!

 

O cineasta Silvio Tendler, em agosto de 1981, levou – de improviso – sua equipe de filmagem ao Parque Lage, no Rio de Janeiro, para filmar o enterro de Glauber Rocha. As imagens, durante anos proibidas pela mãe de Glauber, atualmente podem ser vistas no documentário “Glauber, Labirinto do Brasil” (2003). Exibem-se nas cenas momentos de comoção. A certa altura, surge em meio ao cortejo o antropólogo Darcy Ribeiro, amigo de Glauber, que dá início a um discurso emocionado, à beira do caixão. Sua voz se ergue e se embarga e choram os demais ao seu redor:

Darcy Ribeiro 

“Sua breve vida. Sem pele, com a carne exposta. Capaz de gozo decerto, não é, Glauber? Mas mais capaz de dor, da nossa dor. Uma vez, eu não vou esquecer nunca, Glauber passou a manhã abraçado comigo chorando, chorando, chorando convulsivamente. Eu custei a entender, ninguém entendia, que Glauber chorava a dor que nós devíamos chorar, a dor de todos os brasileiros. O Glauber chorava as crianças com fome, o Glauber chorava esse país que não deu certo, o Glauber chorava a brutalidade, o Glauber chorava a estupidez, a mediocridade, a tortura e não suportava, chorava, chorava, chorava... Os filmes do Glauber são isso, é um lamento, é um grito, é um berro. Esta é a herança que fica de Glauber. O que fica de Glauber para nós: a herança de sua indignação, ele foi o mais indignado de nós, indignado com o mundo tal qual é, assim, indignado porque mais que nós também Glauber podia ser o mundo que podia ser... que vai ser, Glauber! Que há de ser! Glauber viveu entre a esperança e o desespero, como um pêndulo, louco.” 

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P.S. Há documentário realizado por Silvio Tendler chamado “Glauber Labirinto do Brasil”, no qual Darcy Ribeiro faz eloquente discurso em homenagem ao amigo morto, julguei apressadamente que, talvez, se tratasse do tradicional exagero que costuma acompanhar uma perda definitiva. Darcy dizia ser Glauber o “mais indignado” de toda uma geração, um sujeito que oscilava “entre a esperança e o desespero” porque o Brasil nunca realizava nossas imensas possibilidades. 

(Trecho de um texto de Nildo Ouriques)

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