quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Os vestígios do velho garanhão



Aquele velho Coronel da Guarda Nacional de antigamente tinha muita coisa de Chicuta Campolargo e Tibério Vacariano admiravelmente pintados por Érico Veríssimo na inspiração de tantos tipos humanos espalhados pelo Rio Grande de outrora.

Sim, pelo passado de arbitrariedades e violências no calor de “entreveros” das revoluções; como delegado das zonas conflagradas pela polícia e contrabandistas, e onde campeava um abigeato desenfreado; e como “beleguim façanhudo” que fazia valer a sua “otoridade” nos bochinchos em carreiras, e, mais, na “limpeza” dos meretrícios infestados de maus elementos, contumazes desordeiros, arruaceiros inveterados...

Na longa crônica do Coronel, havia, também, o registro de um machismo safado de insaciável sátiro, inescrupuloso e prepotente no abuso de fêmeas de diferentes naipes e categorias sociais.

Orgulhava-se de ser um garanhão indócil que nunca “repugnava a beldroega”... Um pastor retouçando manadas de éguas e potrancas. Enfim, o mais legítimo “colhudo” como chamam os garanhões na campanha, e até de “cuiúdo”...

Agora, transitava tropegamente pelas ruas. Tendo virado os 85 anos, estava com aparência de muito mais velho, bastante surdo, com achaques respiratórios e urinários, e arrastando os pés.

Com o lombo arqueado ao peso implacável dos anos, apoiava-se em uma bengala que volta e meia brandia acompanhando uma enxurrada de impropérios que nunca lhe eram parcos, embora sem motivação...

Tentava ainda falar grosso em nostalgia de uma autoridade já perdida em pretérito  distante...

Naquele dia, ao sair do consultório médico em revisão clínica, meio afogueado pelo calor de um sol de janeiro, buscou uma mesa do principal bar da praça que carregava seu nome e cuja placa não cansava de ler e sentindo um justificado orgulho.

Passando o lenço pelo rosto suado, vermelho, e algo ofegante pediu alguma coisa para beber.

Alvo de olhares curiosos que lhe davam uma certa faceirice, o velho Coronel como que gozava a doce reminiscência de sua antiga autoridade.

Já achando o garçom um tanto displicente, deu uma batida com a bengala no chão, e alteou a voz meio rouquenha de maneira que chamava mais atenção dos circunstantes.

− Ô sacripanta, vai ou não vai me trazer a bebida que eu pedi?

Alguns segundos após as gargalhadas explodiram e a “otoridade” esboçou um sorriso gajo, vaidoso, inconfundível...

Graças à providencial surdez, o velho garanhão não se deu conta da humilhante, mas espirituosa “tirada” de um gauchão ali presente:

− Mas bah, tchê!... Do “cuiúdo” véio só ficou o relincho!...

*****

(Do livro “O sexo... Como Humor na Medicina”,
do Dr. Caio  Flávio Prates da Silveira)


Um comentário:

  1. Triste e vergonhoso, mas na realidade a maioria dos homens que saiam com a mulheres, batiam no peito e contavam vantagens nos bares, hoje são pais, até avós condenando o que antes para eles era normal, atirando pedras, apontando o dedo julgando e condenando pessoas.

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