Max Nunes
Cena: uma esquina escura. Homem
parado no meio da rua. Chegam dois assaltantes, vindos um de cada lado, armados
e falando quase ao mesmo tempo.
Os dois (em quase uníssono): Mãos ao
alto!
Homem (levantando os braços): Oh!
Assaltante 1: Um momento, colega. Eu cheguei primeiro.
Assaltante 2: O colega está equivocado. Quem chegou primeiro fui eu.
Homem (levantando os braços): Oh!
Assaltante 1: Um momento, colega. Eu cheguei primeiro.
Assaltante 2: O colega está equivocado. Quem chegou primeiro fui eu.
Assaltante
1: Não é verdade. Quando eu acabei de dizer “ao alto”, o senhor ainda
estava em “mãos”.
Assaltante
2: Absolutamente. Eu trabalho dentro da maior ética. Jamais roubei clientes
de um colega.
Assaltante
1: Eu invoco o testemunho do cliente. (Para
o homem:) O senhor, que tem uma aparência de pessoa honesta. Quem lhe
apontou primeiro a arma?
Homem:
Os senhores me desculpem, mas eu não gosto de dar palpite no trabalho dos
outros.
Assaltante 2: Colega, o cliente está
sendo retido desnecessariamente.
Assaltante
1: Culpa sua. Se não fosse o colega, o cliente já teria sido atendido,
despachado e já estaria a caminho de casa. (Para
o homem:) Pode abaixar os braços.
Homem (abaixando os braços): Obrigado.
Assaltante 2: Então, como vamos resolver esse impasse?
Assaltante 1: Não, senhor, eu não trabalho com abatimento.
Assaltante 2: Eu também não. É tudo ou nada. Sem desconto.
Assaltante 1: Então não tem assalto.
Assaltante 2: Não tem assalto. (Para o homem:) O senhor está liberado. Boa noite.
Assaltante 1: Boa noite. (Saem cada qual para seu lado.)
Homem (aliviado): É por isso que eu digo: quanto mais ladrão, melhor.
Assaltante 2: Então, como vamos resolver esse impasse?
Homem:
Posso dar uma sugestão? Eu estou com duzentos na carteira. Cem para cada um.
Assaltante 2: Eu também não. É tudo ou nada. Sem desconto.
Assaltante 1: Então não tem assalto.
Assaltante 2: Não tem assalto. (Para o homem:) O senhor está liberado. Boa noite.
Assaltante 1: Boa noite. (Saem cada qual para seu lado.)
Homem (aliviado): É por isso que eu digo: quanto mais ladrão, melhor.
(Max Nunes. O pescoço da girafa. São Paulo,
Companhia das Letras, 1997. p. 11-13)
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