-
Que horas são?
O homem tirou do bolso o relógio de
platina e olhou o mostrador:
-
Son las cinco de la tarde.
-
Por que estamos tão atrasados?
-
Porque levamos no trem o cadáver de um toureiro.
-
Ah!
-
Um touro rasgou-lhe o estômago com as aspas.
Mário olhou para fora. Reconhecia as
paisagens da infância.
-
Que é isso no peito? -
perguntou o chefe de trem.
Mário abriu mais a camisa e disse:
- Uma tatuagem. Uma flor. É para a minha namorada que
está me esperando do outro lado da ponte.
-
Quantos anos você tem, menino?
-
Vinte.
- Em
que trabalha?
-
Sou marinheiro.
-
Donde vens?
-
Das Índias.
O homem sacudiu
lentamente a cabeça, compreendendo. Depois sumiu-se. O trem apitou. Mário meteu
a cabeça para fora do carro e avistou a estação. Lá estava o boné vermelho do
agente, o velho sino, a tabuleta com o nome da vila...
O trem parou,
resfolegando como uma besta cansada. Mário precipitou-se para fora do carro,
saltou para a plataforma
-
E a sua bagagem?
- perguntou alguém.
Ele soltou uma risada.
-
Não tenho. Só essa flor.
Mostrou a tatuagem.
Respirou o ar que cheirava a folhas secas queimadas. Devia ser abril. Desceu
apressado a encosta, acenando para os conhecidos. De todos os lados brotavam
vozes: “O Mário voltou!” As vozes espraiavam-se pelo vale, subiam os cerros, o
eco as repetia longe. “O Mário voltou... ou... ou... ou...”
Mário sentia no corpo
a força dum potro. Não se conteve: rompeu a correr. Bebia o vento como quem
bebe água. Avistou longe o vulto da mãe, negro e imóvel diante da casa. Ela o
esperava. Nada tinha mudado.
Viu a ponte e estacou,
temendo que Antônia não o estivesse esperando. Seu coração teve um súbito
desfalecimento. Mas não! Lá estava ela parada do outro lado da ponte de pedra,
o vento modelava-lhe as formas, soprava-lhe os cabelos, seu corpo dourado
resplandecia. Pomona!
Mário abriu os braços e, correndo e
sorrindo, cruzou a ponte.
(Do livro
“Fantoches”, de Érico Veríssimo)
Desenho de Xico Carlos
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