Por Lupicínio Rodrigues
Domingo,
estive em um churrasco da Sociedade Satélite Prontidão, onde se reúne a “gema”
dos mulatos de Porto Alegre. Lá houve tudo de bom, bom churrasco, boa música e
boa palestra. Mas como nessas festas nunca falta uma discussão quando a cerveja
sobe, lá também houve uma, e foi a seguinte:
Uma
turma de amigos quis saber por quê, sendo eu um homem do povo e de origem
humilde, sou torcedor tão fanático do Grêmio.
Por
sorte, lá estava também o senhor Orlando Ferreira da Silva, velho funcionário
da Biblioteca Pública, que me ajudou a explicar o que meu pai já havia me
contado. Em 1907, uma turma de mulatinhos, que na naquela época já sonhava com
a evolução das pessoas de cor, resolveu formar um time de futebol. Entre estes
mulatinhos, estava o senhor Júlio Silveira, pai do nosso querido Antoninho
Onofre da Silveira, o senhor Francisco Rodrigues, meu querido pai, o senhor
Otacílio Conceição, pai do nosso amigo Marceli Conceição, o senhor Orlando
Pereira da Silva, o senhor José Gomes e outros. O time foi formado. Deram o
nome de Rio-Grandense e ficou sob a presidência do saudoso Júlio
Silveira. Foram grandes os trabalhos para escolher as cores, o fardamento,
fazer estatutos e tudo que fosse necessário para um clube se legalizar, pois os
mulatinhos sonhavam em participar da Liga, que era, naquele tempo, formada
pelos Fusss-Ball, que é o Grêmio de hoje, o Ruy Barbosa, o Internacional e
outros.
Este
sonho durou anos, mas no dia em que o Rio-Grandense pediu inscrição na Liga,
não foi aceito porque justamente o Internacional, que havia sido criado pelo
“Zé Povo”, votou contra, e o Rio-Grandense não foi aceito.
Isso
magoou profundamente os mulatinhos, que resolveram torcer contra o
Internacional, e o Grêmio, sendo o seu maior rival, foi escolhido para tal.
Fundou-se
(em 1910), por isso, uma nova Liga, que mais tarde foi chamada de Canela
Preta, e quando estes moços casaram, procuraram desviar seus filhos do clube
que é hoje chamado o “Clube do Povo”, apesar de não ter sido ele o primeiro a
modificar seus estatutos para aceitar pessoas de cor, pois esta iniciativa
coube ao Esporte Clube Americano, e vou explicar como:
A Liga dos Canelas Pretas* durou muitos
anos, até quando o Esporte Clube Ruy Barbosa, precisando de dinheiro, desafiou
os pretinhos para uma partida amistosa, que foi vencida pelos desafiados, ou
seja, os pretinhos. O segundo adversário dos moços de cor foi o Grêmio, que
jogou com título de “Escrete Branco”. Isso despertou a atenção dos outros
clubes que viram nos Canelas Pretas um grande celeiro de jogadores e trataram
de mudar seus estatutos para aceitarem os mesmos em suas fileiras, conseguindo
levar assim os melhores jogadores, e a Liga teve que terminar. O Grêmio foi o
último time a aceitar a raça, porque em seus estatutos constava uma cláusula
que dizia que ele perderia seu campo, doado por uns alemães, caso aceitasse
pessoas de cor em seus quadros. Felizmente, esta cláusula já foi abolida, e
hoje tenho a honra de ser sócio-honorário do Grêmio e ter composto seu hino que
publico ao pé desta coluna.
Hino do Grêmio**
Letra e música de Lupicínio Rodrigues
I
Até
a pé nós iremos
Para
o que der e vier,
Mas
o certo é que nós estaremos
Com
o Grêmio onde o Grêmio estiver.
(bis)
II
Cinquenta anos de glória***
Tens,
imortal tricolor,
Os
feitos da tua história
Canta
o Rio Grande com amor.
III
Nós,
como bons torcedores,
Sem
hesitarmos sequer,
Aplaudiremos
o Grêmio
Aonde
o Grêmio estiver.
IV
Lara****, o craque imortal,
Soube
o teu nome elevar.
Hoje,
com o mesmo ideal,
Nós
saberemos te honrar.
Do livro “Foi assim
O cronista Lupicínio Rodrigues conta as histórias das
suas músicas” L&PM
* Liga
dos Canelas Pretas é o nome popular da Liga Nacional de Futebol
Porto-Alegrense, do início do século XX, formada na região do antigo bairro da
Ilhota, em Porto Alegre unicamente
por “homens de cor”, também chamada de Liga da Canela Preta ou simplesmente de Liga
Canela Preta.
**
Em 1953, o Grêmio jogaria no Estádio das Timbaúvas, do Força e Luz, na rua
Alcides Cruz, no bairro Santa Cecília, no Caminho do Meio. Nesse dia houve uma
greve do pessoal da Carris. No centro da cidade, muita gente esperou pelos
bondes, que não circularam nesse dia. Entre os torcedores, estava Lupicínio
Rodrigues. Alguém, na multidão, gritou: “Pessoal, até a pé nós iremos a este jogo!”.
Lupi ficou o bordão na cabeça, ali estava o primeiro verso do futuro Hino do
Grêmio.
***
Atualmente, estão alterando esse verso para 100. Em 1953, ano do hino, o Grêmio
tinha 50 anos, pois foi fundado em 1903.
**** Lara, goleiro, é o único
atleta do Grêmio citado no hino.
Somos gremistas de pai para filhoª desde sempre não sabia que Lupicínio Rodrigues também era admiração redobrada!...
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