Depoimento de João Cândido ao
jornalista Edmar Morel:
"Pensamos no dia 15 de novembro.
Acontece que caiu forte temporal sobre a parada militar e o desfile naval. A
marujada ficou cansada e muitos rapazes tiveram permissão para ir à terra.
Ficou combinado, então, que a revolta seria entre 24 e 25. Mas o castigo de 250
chibatadas no Marcelino Rodrigues precipitou tudo. O Comitê Geral resolveu, por
unanimidade, deflagrar o movimento no dia 22. O sinal seria a chamada da
corneta das 22 horas. O "Minas Gerais", por ser muito grande, tinha
todos os toques de comando repetidos na proa e popa. Naquela noite, o clarim
não pediria silêncio, e, sim, combate. Cada um assumiu o seu posto e os
oficiais de há muito já estavam presos em seus camarotes. Não houve afobação.
Cada canhão ficou guarnecido por cinco marujos, com ordem de atirar para matar
contra todo aquele que tentasse impedir o levante. Às 22h50min, quando cessou a
luta no convés, mandei disparar um tiro de canhão, sinal combinado para chamar
à fala os navios comprometidos. Quem primeiro respondeu foi o "São
Paulo", seguido do "Bahia". O "Deodoro", a princípio,
ficou mudo. Ordenei que todos os holofotes iluminassem o Arsenal da Marinha, as
praias e as fortalezas. Expedi um rádio para o Catete, informando que a
Esquadra estava levantada para acabar com os castigos corporais".
Edmar
Morel. A Revolta da Chibata.
"Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros
e republicanos, não podendo mais suportar a escravidão na Marinha Brasileira, a
falta de proteção que a Pátria nos dá, e até então não nos chegou, rompemos o
negro véu, que nos cobria aos olhos do patriótico e enganado povo. Achando-se
todos os navios em nosso poder, tendo a seu bordo prisioneiros todos os
oficiais, os quais tem sido os causadores da Marinha Brasileira não ser
grandiosa, porque durante vinte anos de República ainda não foi bastante para
tratar-nos como cidadãos fardados em defesa da Pátria, mandamos esta honrada
mensagem para que V. Excia. faça aos Marinheiros Brasileiros possuirmos os
direitos sagrados que as leis da República nos facilita, acabando com a desordem e nos
dando outros gozos que venham engrandecer a Marinha Brasileira; bem assim como:
retirar os oficiais incompetentes e indignos de servir a Nação Brasileira.
Reformar o Código Imoral e Vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a
chibata, o bolo, e outros castigos semelhantes; aumentar o nosso soldo pelos
últimos planos do ilustre Senador José Carlos de Carvalho ,
educar os marinheiros que não têm competência para vestir a orgulhosa farda,
mandar pôr em vigor a tabela de serviço diário que a acompanha. Tem V. Excia o
prazo de doze (12) horas, para mandar-nos a resposta satisfatória, sob pena de
ver a pátria aniquilada. Bordo do Encouraçado "São Paulo" em 22 de
novembro de 1910. Nota - não poderá ser interrompida a ida e a volta do
mensageiro. [assinado] Marinheiros"
Edmar Morel. A Revolta da Chibata
[respeitada a grafia original].
Oswald de Andrade descreve a
rebelião dos marinheiros
e fala sobre seu desfecho:
"Acordei em meio duma
maravilhosa aurora de verão. A baía esplendia com seus morros e enseadas.
Seriam talvez quatro horas da manhã. E vi imediatamente na baía, frente a mim,
navios de guerra, todos de aço, que se dirigiam em fila para a saída do porto.
Reconheci o encouraçado Minas Gerais que abria a marcha. Seguiam-no o São Paulo
e mais outro. E todos ostentavam, numa verga do mastro dianteiro, uma pequenina
bandeira triangular vermelha. Eu estava diante da revolução. Seria toda
revolução uma aurora? [...] de repente vi acender-se um ponto no costado do
Minas e um estrondo ecoou perto de mim, acordando a cidade. Novo ponto de fogo,
novo estrondo. Um estilhaço de granada bateu perto, num poste da Light. [...]
Era terrível o segundo que mediava entre o ponto aceso no canhão e o estrondo
do disparo. Meus olhos faziam linha reta com a boca-de -fogo que
atirava. Naquele minuto-século, esperava me ver soterrado, pois parecia ser eu
a própria mira do bombardeio. [...] Era contra a chibata e a carne podre que se
levantavam os soldados do mar. O seu chefe, o negro João Cândido, imediatamente
guindado ao posto de almirante, tinha se revelado um hábil condutor de navios.
Quando mais tarde assisti à exibição do filme soviético Encouraçado Potemkim,
vi como se ligavam às mesmas reivindicações os marujos russos e brasileiros.
[...] A revolta de 1910 teve o mais infame dos desfechos. Foi solenemente
votada pelo Congresso a anistia aos rebeldes, mas uma vez entregues e presos,
foram eles quase todos massacrados e mortos. Escapou o Almirante João Cândido e
quando, na década de 30, o jornalista Aporelli [Aparício Torelli, o Barão de
Itararé] tentou publicar uma crônica do feito, foi miseravelmente assaltado por
oficiais da nossa Marinha de Guerra que o deixaram nu e surrado numa rua de
Copacabana."
Oswald de Andrade:
“Um homem sem profissão - Sob as ordens de mamãe”.
“Um homem sem profissão - Sob as ordens de mamãe”.
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