→ Jânio estava hospedado na casa
do deputado Murilo Costa Rego, no Recife, na campanha para presidente da
República. Acordou com sede:
‒ Murilo, tu podes
providenciar-me um uísque?
Murilo providenciou. Quando o garçom chega
com a garrafa está entrando na sala uma comissão de prefeitos pernambucanos.
Jânio não se perturba:
‒ Eu disse leite, Murilo.
Lei-te.
Veio “lei-te”. E ele o bebeu.
*****
→ Em Fortaleza, na casa do
deputado Jorge Furtado Leite, Jânio descansava na rede. Furtado Leite tentava
convencê-lo a receber uma comissão de juízes.
‒ Não os recebo, Juiz é
magistrado, não faz política. Nada tenho a prometer-lhes e nada têm eles a
dar-me.
Olha em volta, está cercado de juízes.
Levanta-se rápido:
‒ Juízes de minha terra que
também o fui!...
E longamente conversou com eles.
*****
→ Em 43, um estudante
magricela de olho esbugalhado saía do escritório do advogado Vicente Rao,
ex-ministro da Justiça de Getúlio Vargas. Na porta, encontra-se com um senhor
magro e moreno que chegava. Apresentados, começaram a conversar e foram até a
sala de Vicente Rao. O senhor magro e moreno pediu para ver a mão do estudante
magricela de olho esbugalhado:
‒ O que é que você faz?
‒ Estudo Direito e ensino
Português.
‒ Você vai ser político.
Vereador, deputado, prefeito, governador, presidente da República, em pouco
tempo. Sai da presidência e a ela volta depois para ser assassinado.
O estudante magricela e olho esbugalhado
chamava-se Jânio Quadros. O senhor magro e moreno, Sana Khan.
*****
→ Eleito governador de São
Paulo, Jânio foi procurado pelos deputados Wilson Rahal e Germinal Feijó, que
se haviam empenhado inteiramente em sua campanha. Levavam reivindicações
políticas.
‒ Meus queridos Wilson e
Germinal. Os senhores estão muito enganados. Elegeram-se e eu me elegi. Estamos
quites.
E bateu a porta.
*****
→ Jantar de aniversário de
Quintanilha Ribeiro, também na década de 70, na casa dele, em São Paulo , pouco antes
de morrer. Jânio saiu, já tarde, com Oscar Pedroso Horta. Continuamos
conversando: Quintanilha, José Aparecido, eu, um grupo. Perguntei a Quintanilha
pela renúncia. Aparecido não gostou:
‒ Sebastião, sobre a
renúncia fala o presidente. O Nery tem um computador na cabeça, vai gravar tudo
e publicar.
‒ Ora, Aparecido, é hora de
nós, os amigos de Jânio, pararmos com essa besteira. Não podemos deixar que o
Jânio entre na História do Brasil como um fujão, quando sabemos que o que ele
foi mesmo foi um conspirador de merda.
*****
→ Júlio César Toledo Piza,
como sempre fazia, foi visitar Jânio na sua casa, em Santo Amaro , na
Capital. Os jornais falavam naquele dia das comemorações de mais um aniversário
do “Movimento de 31 de Março”, na semana próxima. Júlio César puxa o assunto da
“Revolução”, Jânio fica em silêncio, pensando:
‒ Pois é, meu caro,
cassaram-me, puniram-me, confinaram-me, marginalizaram-me. Por quê? Por que, se
fizeram em março de 1964 exatamente o que eu quis fazer em agosto de 1961?
Julinho entendeu tudo.
*****
→ O ministro chegou para
despacho. Tirou o primeiro processo, Jânio leu, releu, tirou os óculos:
‒ Ministro, o senhor é
alfaiate?
‒ Não, presidente. Por quê?
‒ Toda vez que o senhor vem
aqui fica querendo dar uma tesourada em minha toga.
*****
→ No natal de 87, o
governador Fernando Collor, de Alagoas, voltava da China, desceu em Roma. O embaixador Carlos
Alberto Leite Barbosa o convidou para um jantar. Jânio passava por Roma, a
caminho da Turquia, Carlos Alberto o convidou também.
Quando Jânio chegou à magnífica embaixada
da Plaza Navona, Collor já estava lá. Jânio entrou com passos largos e um
casacão preto pesado. Abriu os braços para Collor, escandindo as sílabas:
‒ Meu caro governador, que
bom este encontro. Fiquei feliz.
‒ Eu também, presidente,.
Não sabia que estava por aqui.
‒ De passagem, governador.
A caminho de Istambul. Gosto muito do mundo árabe. É um dos nossos passados.
Estou lendo nos jornais, que me chegam do Brasil, que é candidato a presidente
da República no próximo ano.
‒ Ainda não sei,
presidente. É uma ideia de alguns amigos.
‒ Governador, parece-me
muito jovem para presidente, aos 40 anos.
‒ A mesma idade com que o
senhor foi presidente.
‒ E deu no que deu, meu
caro! Deu no que deu!!!
*****
→ Presidente, Jânio foi a
Mato Grosso, sua terra, no dia 25 de fevereiro de 61. Mandou chamar o chefe
regional do DNER, engenheiro José Azevedo, irmão do deputado Vasco Azevedo
Neto, da Bahia:
‒ Quero uma estrada até
Guaporé. O senhor tem seis meses para construí-la. No dia exato, daqui a seis
meses espero um telegrama comunicando-me o cumprimento do dever.
O engenheiro empurrou a estrada a toque de
caixa. No dia 25 de agosto, chegava a Guaporé. Ligou o rádio, anunciava-se a
renúncia de Jânio. José Azevedo foi ao telégrafo:
“Presidente Jânio Quadros, Brasília:
Cheguei hoje às margens do rio Guaporé.
Eu cumpri o meu dever.”
a) José Azevedo, chefe do DNER-Mato
Grosso.
Jânio entendeu.
(Do livro “Folclore
Político” – 1950 histórias,
de Sebastião Nery – Geração Editorial)
de Sebastião Nery – Geração Editorial)
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