segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O dom do poeta

“O olhar do poeta, girando em delírio,
Vai do céu para a terra, da terra para o céu;
E, no que a imaginação vai tomando corpo,
Sua pena cativa a essência das coisas desconhecidas,
Moldando-lhes a forma e dando a um nada construído no ar
Um nome e um ponto de referência.”

Shakespeare


Força estranha

Caetano Veloso

Eu vi o menino correndo eu vi o tempo,
brincando ao redor do caminho daquele menino.*
“Eu pus os meus pés no riacho
e acho que nunca os tirei
e o sol ainda brilha na estrada que nunca passei.

Eu vi a mulher preparando outra pessoa.
o tempo parou para eu olhar para aquela barriga.*
“A vida é amiga da arte
é a parte que o sol me ensinou.
O sol que atravessa essa estrada que nunca passou.

Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha.
Por isso é que eu canto não posso parar,
por isso essa voz tamanha.

Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista.
O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece.*
Aquele que conhece o jogo do fogo das coisas que são,
é o sol é a estrada é o tempo é o pé é o chão.

Eu vi muitos homens brigando ouvi seus gritos.
Estive no fundo de cada vontade encoberta.*
e a coisa mais certa de todas as coisas
não vale um caminho sob o sol
e o sol sobre a estrada é o sol sobre a estrada é o sol.

Por isso uma força me leva a cantar,
por isso essa força estranha.
Por isso é que eu canto não posso parar,
por isso essa voz tamanha.

§ § §

Observações: após alguns versos, foram colocados asteriscos para assinalar imagens realistas do poeta; algumas palavras estão entre aspas para marcar conceitos, e, finalmente, o refrão está em itálico, pois ele é a própria criação artística. Força estranha Þ algo transcendental. Þ A arte é um fato transcendental.

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