O poncho era roupa, a cama e a casa do gaúcho.
(Entendeu por que não dá para pisar nele?)
Por Eduardo Bueno
Se ser gaúcho é quase uma
religião, eis um caso em que o hábito faz o monge. A moda gaúcha, a grosso
modo, é muito mais que mero modismo: é reflexo de um modo de vida. Mistura de
peças indígenas, ibéricas e árabes, a indumentária do gaúcho não é só um traje
– é uma segunda pele.
Gaúcho usa saia, ceroula,
lenço e laço. E, sobre tudo, poncho. O poncho é legado indígena – provavelmente
araucano. Metade capa, metade cama, foi chamado “casa do pobre”. Não é a única
frase feita com o poncho: “passar por baixo do poncho” era contrabando, para
“forrar o poncho”. Já “pisar no poncho” sempre foi coisa séria: o revólver
fala, mesmo se o poncho virou pala.
Chiripá, a saia do gaúcho,
também saiu da indiada – nesse caso, os minuanos. Traspassado na frente e se
derramando da cintura ao joelho, o chiripá era indispensável. Até o advento das
bombachas. O caso das bombachas é singular. Tão singular que o certo é
grafá-las assim, no plural. Exterminadoras do chiripá, as bombachas se tornaram
símbolo do gauchismo. Mas a transformação esconde uma ironia: essas calças
largas em forma de “bomba”, hoje tão conhecidas, só se disseminaram pelo pampa
após a Guerra do Paraguai, quando a Inglaterra vendeu para os exércitos da
Tríplice Aliança peças do uniforme da cavalaria turca – meras sobras de guerra
da Crimeia.
O gaúcho primitivo,
definido como uma “mistura de índio com cavalo”, calçava bota de garrão de
potro: o couro da pata do bicho era tirado inteiro e ajustado à perna e ao pé
do índio velho, deixando de fora só o calcanhar e os dedos. Já houve quem
dissesse também que o gaúcho é “meio touro, meio galo”: vive coberto de couro,
tem na cabeça um lenço vermelho como crista – e usa esporas!
O traje bárbaro se completa
com ceroulas de crivo e chapéu com barbicacho, peças vindas da Europa. Mas é
bom não esquecer da guaiaca – autêntico cinto de utilidades. Vestido assim,
qualquer um pareceria fantasiado. Mas não o gaúcho: o gaúcho está pilchado.
Afinal, tudo é uma questão de estilo. E estilo é para quem tem.
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