Prof. Cláudio Moreno
Há
diversos vocábulos que entraram em nossa língua formados a partir de obras
literárias. Vargas Llosa diz que uma sociedade que não conhecesse a escrita
também não conheceria esses vocábulos, nascidos da pena de escritores que
souberam, através de personagens imorredouros, dar uma imagem concreta de
determinados aspectos de nós mesmos e de nossa realidade.
Na “Odisseia”, Homero narra as atribuladas aventuras de Ulisses
(ou Odisseu), que tenta voltar para casa após o término da Guerra de Troia. Por
dez anos, de ilha em ilha, de naufrágio em naufrágio, ele enfrenta canibais,
ciclopes, feiticeiras e monstros marinhos, até pisar, numa manhã nevoenta, nas
praias de sua amada Ítaca. Poucos, talvez, tenham lido a versão integral desta
obra, mas esses infortúnios e peripécias vêm à mente de todos quando dizemos,
numa segunda-feira, que “nossa volta da praia, neste feriadão, foi uma
verdadeira odisseia”.
Acaciano
- deriva do ridículo Conselheiro Acácio, personagem do romance “O Primo
Basílio”, de Eça de Queirós. Embora a figura do Conselheiro seja vista
como uma crítica ao moralismo hipócrita e ao apego às meras aparências sociais,
o termo imortalizou outra faceta da personagem: o hábito de proferir, com toda
a pompa e solenidade, frases absolutamente ocas e triviais. Por isso, “frases acacianas” ou “verdades acacianas” servem para
criticar a banalidade ou o absurdo de qualquer afirmação. Um bom exemplo é a
frase “em futebol, ou se ganha, ou se perde, ou se empata”, dita em
tom sério e solene.
Balzaquiana
- No século XIX, quando todas as heroínas da literatura casavam antes de
completar 21 anos, Balzac causou furor quando publicou o romance “A Mulher
de 30 Anos”, que exalta a figura das mulheres de meia-idade, atraentes não
só por sua beleza, mas também por se encontrarem na plenitude de sua
feminilidade - as famosas “balzaquianas”. De lá para cá, contudo, os
limites desse conceito foram sendo expandidos na mesma medida em que os
hábitos, a cosmética e a cirurgia plástica conseguem resguardar a beleza dos
efeitos da idade. Basta pensar no teatro: para representar, hoje, uma
balzaquiana, a escolha recairia em uma atriz como Vera Fischer (50) ou Betty
Faria (60).
Big
Brother - a ideia vem do livro “1984”, de George Orwell, escrito
em 1948 (o título apenas inverteu os dois últimos algarismos da data), que
descreve uma sociedade totalitária em que todos os cidadãos são observados e
controlados pelo Partido, cujo líder é aclamado como o Big Brother. Nesse
pesadelo futurista, os aparelhos de TV, além de receber as imagens transmitidas
pelo Partido, servem também para espionar cada detalhe da vida familiar dos
espectadores, captando qualquer som acima de um simples sussurro. Não há mais
intimidade: todos são vigiados pela Polícia do Pensamento, e gigantescos
cartazes anunciam, por toda parte, “Big Brother is watching you!” (“Big Brother está de olho em você!”). A partir da obra de Orwell, “Big Brother” passou a designar esse tipo de poder absoluto,
invasivo, que tenta controlar os sentimentos e a consciência de cada um. A
escolha deste nome para batizar um dos mais famosos "reality shows” da televisão mundial não foi por acaso.
Liliputiano
- Johathan Swift, escritor irlandês do século XVIII, escreveu “As Viagens de
Gulliver ” como uma crítica feroz à política de seu tempo. Contudo,
ironicamente, a parte mais conhecida desta obra ficou sendo a primeira das
viagens, que passou a ser lida como uma simples narrativa infanto-juvenil.
Nela, o cirurgião Lemuel Gulliver naufraga na costa de Lilliput, a terra dos
pequeninos, onde tudo é diminuto, mensurável em centímetros, mas proporcional:
os homenzinhos medem 14 cm ,
os cavalos têm 12 cm
de altura, as ovelhas têm apenas 4
cm . O adjetivo “liliputiano” passou a
significar, por isso mesmo, tudo o que é extremamente pequeno e minúsculo.
Ninfeta
- na origem, seria uma “pequena ninfa”; designa a menina ainda
pré-adolescente, mas sexualmente provocante. O termo passou a ser usado depois
que Vladimir Nabokov chocou o mundo, em 1955, com o seu discutido romance “Lolita”, em que o atrapalhado professor Humbert Humbert se apaixona
e seduz a enteada de 12 anos de idade, alegando, em sua defesa, que havia algo
de demoníaco e perturbador por trás daquela inocência quase infantil.
Pantagruélico
- vem do alegre e gigantesco Pantagruel, o divertido e desbocado comilão criado
por François Rabelais, escritor francês do século XVI. Filho de Gargantua, outro
comilão lendário, Pantagruel já nasceu com um apetite descomunal, mamando
diariamente o leite de 4.600 vacas. Volta e meia, ao longo dos “Horríveis
e Espantosos Feitos e Proezas do Renomado Pantagruel”, aparecem comilanças
e bebedeiras em torno de mesas repletas de boas carnes, iguarias e vinho
abundante. Por isso, usa-se uma “refeição pantagruélica" ou um “apetite pantagruélico” sempre que queremos designar qualquer exagero
gastronômico.
Quixotesco - provém do famoso “Dom
Quixote de la Mancha”, criação do espanhol Cervantes, que narra as
aventuras de um fidalgo de aldeia que enlouquece lendo livros de cavalaria e
resolve sair Espanha afora, acompanhado do simpático Sancho Pança, um camponês
que se torna seu amigo e escudeiro. Nas suas várias andanças, enfrenta inimigos
e monstros imaginários, como no famoso episódio dos moinhos de vento, contra os
quais investe de lança em riste, tomando-os por gigantes perigosos. Apesar de
seus continuados fracassos, o bravo Dom Quixote não desanima de sua missão de
cavaleiro andante, o que faz o termo “quixotesco”, até hoje, uma
forma de designar, com simpatia, a pessoa que tem intenções e ideais nobres,
mas é sonhadora e afastada da realidade.
“Cherchez
la femme” (Procurai a mulher). Sentença
de Alexandre Dumas, em “Os moicanos de Paris”, para indicar que em todos os
acontecimentos há sempre uma mulher.
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