domingo, 29 de novembro de 2020

Sorte na vida

 Martha Medeiros*

(...) 

Para ter a sensação permanente de que a vida flui sem obstáculos, é preciso a sorte de ser leve. A sorte de não ser paranóico. A sorte de perceber grandezas nas miudezas. A sorte de reconhecer a extrema importância dos afetos mais íntimos, antes que eles partam. A sorte de achar graça na vida. A sorte de se comover com música. A sorte de gostar de ler livros profundos, geniais, incômodos. A sorte de estar aberto para todo tipo de amor. A sorte de gostar de ficar só, que é o que nos salva do convívio forçado com pessoas chatas. A sorte de gostar de gente interessante, mais do que de gente influente. A sorte de não se entregar a expectativas mirabolantes, de ver o lado bom daquilo que deu errado, de não fazer drama por qualquer bobagem (se doer, doer mesmo, transforme em poesia). 

A sorte de perceber a elegância que há na inteligência, mais do que em grifes. A sorte de gostar de viajar, de ir ao encontro de temperaturas mínimas e máximas, de cenários do tipo “me belisca”, de enrascadas que serão divertidas, de comidas estranhas e de estrangeiros com quem será impossível conversar, a não por mímica. A sorte de ter coragem. A sorte de sempre criar uma atmosfera boa ao seu redor. A sorte de lidar com o caos sem sofrer demais. A sorte da delicadeza e da humildade quando não se está em evidência, e principalmente quando se está. A sorte de não se agarrar à vida de forma agressiva ou petulante, mas de gostar dela de um jeito tão sincero que a faça retribuir, gostando muito de você também. 

Boa sorte a todos que merecerem neste domingo (29.11.2020) em que a biografia de tanta gente irá mudar − a de alguns eleitos e, se tudo der certo, a de milhares de eleitores. 

***** 

*Parte da crônica de Martha Medeiros, no Caderno Dona de Zero Hora, novembro de 2020.



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