quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Um dia vendi meu cavalo

 

Um dia vendi o meu cavalo.

Foi num domingo, nessas voltas de rodeio,
Eu garboso bem faceiro vinha com pingo a lo largo...
Me ofereceram um trago e seguimos ali proseando...
Logo vieram ofertando uns troco no meu Picaço.

Era lustroso o bagual! Calmo como chirca em barranca.
Mansidão não hay quem compra, disse um velho paisano...
Largaram uns troco no pano, de primeira eu refuguei...
Depois, logo pensei, hão de cuidar do meu pingo...
Eu nunca fui de apego, meu rancho é a solidão...
Ainda dei o xergão e vendi o meu velho amigo...
 

Quando voltava pra casa, já meio curando o trago...
Fui lembrando das andanças que fizemos pelo pago...
Lembrei até duma noite, que se fomo nas barranca...
Por causa de uma potranca, o Picaço enlouqueceu.
Depois obedeceu e voltou à compostura...
São coisas da criatura, da natureza do bicho...
Eu sei bem como é isso, comigo se assucedeu...
 

Mas eu já tinha vendido, de nada mais adiantava...
A vida continuava, quantos já venderam cavalos...
Uns bons, outros malos, mas é coisa da tradição...
Depois pegamo outro potro...
Domamo e mais um tá pronto pras lides de precisão...
 

E assim se passaram os anos, e nunca mais vi o Picaço...
Mas ainda tinha a lembrança daquelas festas campeira...
Debaixo de uma figueira nós posando prum retrato...
Eu virado só em dente! Tamanha felicidade.

E ele bem alinhado, com pescoço arrolhado,

Mostrando garbosidade. 

E o tempo foi passando, eu segui domando potros...
Mas um deu pior que outro, nunca mais tirei pra laço...
Lembrava do meu Picaço, manso e bom de função...
Trazia ele na mão, nunca me refugou!
Desde do dia que chegou potranco bem ajeitado,
Se acostumou do meu lado, vivendo ali no galpão...
 

A vida é cerca tombada, quando se sente saudade,

Dói uma barbaridade...
O coração em segredo às vezes marca no peito,

Qual roseta na virilha...
Não fica bem prum farroupilha ter saudade dum cavalo...
Que jeito se vai chorar, são coisas de índio macho...
Sentimento é um relaxo difícil de aquerenciá...
 

Mas o tempo vem solito, não traz amadrinhador...
Num dia desses de inverno, juntando geada no pala...
Eu vinha nos corredores pensando nas coisas da vida...
Foi quando vi um cavalo magro ali atirado

Junto à cerca caída. 

Fui chegando mais pra perto daquele corpo jogado,
Os olho perdido e triste,

Me perguntei qual existe gente má neste mundo
Pra atirar assim um crinudo, pra morrer à própria sorte.
Pedi licença pra morte, e me cheguei sem alarde.
 

Eu não creio em divindade, mas o milagre aconteceu.
Ali, na beira da cerca, quando me olhou com tristeza...
Na hora tive a certeza que aquele pingo era o meu.
 

Levei ele pro meu rancho, tratei e curei os bixados...
Dei boia e fiquei do lado, até ele melhorar...
Perdão, meu Picaço amigo, agora ficas comigo...
Não te vendo nunca mais...
 

Por mim pouco importa se já não me serves pra lida...
Aqui será tua vida até o dia que morrer...
Talvez não tenhas perdão, sofresses em outras mãos...
O que fiz naquele dia?
Te vendi por alguns trocados,

Um amigo não tem preço, o que fiz foi judiaria...
Nunca mais vendo cavalos!

                                    Renato Jaguarão

 

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