quarta-feira, 29 de março de 2023

À beira-mar

 Stanislaw Ponte Preta

Por que será que tem gente que vive se metendo com o que os outros estão fazendo? Pode haver coisa mais ingênua do que um menininho brincando com areia, na beira da praia? Não pode, né? Pois estávamos nós deitados a doirar a pele para endoidar mulher, sob o sol de Copacabana, em decúbito ventral (não o sol, mas nós) a ler “Maravilhas da Biologia”, do coleguinha cientista Benedict Knox Ston, quando um camarada se meteu com uma criança, que brincava com a areia. 

Interrompemos a leitura para ouvir a conversa. O menininho já estava com um balde desses de matéria plástica cheio de areia, quando o sujeito intrometido chegou e perguntou o que é que o menininho ia fazer com aquela areia. 

O menininho fungou, o que é muito natural, pois todo menininho que vai na praia funga, e explicou pro cara que ia jogar a areia num casal que estava numa barraca lá adiante. E apontou para a barraca. 

Nós olhamos, assim como olhou o cara que perguntava ao menininho. Lá, na barraca distante, a gente só conseguia ver pares de pernas ao sol. O resto estava escondido pela sombra, por trás da barraca. Eram dois pares, dizíamos, um de pernas femininas, o que se notava pela graça da linha, e outro masculino, o que se notava pela abundante vegetação capilar, se nos permitem o termo. 

− Eu vou jogar a areia naquele casal por causa de que eles estão se abraçando e se beijando muito − explicou o menininho, dando outra fungada. 

O intrometido sorriu complacente e veio com lição de moral. 

− Não faça isso, meu filho − disse ele (e depois viemos a saber que o menino era seu vizinho de apartamento). Passou a mão pela cabeça do garotinho e prosseguiu: 

− Deixe o casal em paz. Você ainda é pequeno e não entende dessas coisas, mas é muito feio ir jogar areia em cima dos outros. 

O menininho olhou pro cara muito espantado e ainda insistiu: 

− Deixa eu jogar neles. 

O camarada fez menção de lhe tirar o balde da mão e foi mais incisivo: 

− Não senhor. Deixe o casal namorar em paz. Não vai jogar areia não. 

O menininho então deixou que ele esvaziasse o balde e disse: 

Tá certo. Eu só ia jogar areia neles por causa do senhor. 

− Por minha causa? Estranhou o chato. − Mas que casal é aquele? 

− O homem eu não sei − respondeu o menininho. − Mas a mulher é a sua. 

********** 

Do livro “O gol do padre & outras crônicas”. Ática: 1997. Stanislaw Ponte Preta.*.

*Pseudônimo do cronista Sérgio Porto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário