sábado, 25 de março de 2023

Morte em vida de Bernardo

 Carpinejar

Foto da internet 

Mesmo se houver 10 julgamentos de Leandro Boldrini, jamais traremos de volta Bernardo. É uma ferida sem cauterização. 

O júri pode ser anulado quantas vezes quiserem por problemas técnicos, pode ser refeito, pode aumentar em ou diminuir a pena, mas o que está em questão é o quanto uma criança sofreu à luz do sol. O quanto a omissão é criminosa. O quanto a covardia diante da vulnerabilidade da infância  é ultrajante. 

Bernardo, se estivesse vivo, estaria completando 20 anos, e talvez pudesse hoje se defender do pai e da madrasta, ironicamente médico e enfermeira. Talvez pudesse salvar sua eterna criança de 11 anos. 

Mas, na época da tragédia, não teve chance nenhuma, misericórdia nenhuma. Porque vivia a fachada intocável, em Três Passos (RS), de filho do doutor da cidade. Ninguém creditava piamente nele. Sua morte foi a tardia confirmação de sua sinceridade. Como o doutor que cuida dos seus pacientes não seria capaz de cuidar do seu filho? 

Por mais que pedisse ajuda, não seria levado a sério a ponto de ser encaminhado para a adoção de outro lar. 

Desmerecemos o que as crianças sentem como se fossem fantasias da carência. Damos mais crédito a um adulto do que a uma criança. 

Bernardo foi jogado emocionalmente fora, naquele mau exemplo de pai que nega o filho do relacionamento anterior para valorizar como único filho o do romance atual. O maior entrave é que sua mãe já se encontrava falecida, e não contava com um segundo e natural paradeiro para fugir dos requintes da rejeição. 

Ele não tinha chave de casa, não tinha para onde ir, não tinha roupa adequada para o inverno, andava de chinelo no meio do frio, ficava sem almoço, comendo de favor nos vizinhos, “preso” na rua na maior parte do dia. Estava proibido de brincar com a irmã e falar com a madrasta. 

Que vida miserável dada a ele! Ainda pior do que a sua morte ignominiosa foi o jeito que havia sido  condenado a viver. 

Era magrinho com seus 30 quilos, um menino mendigo à custa das sobras da família. 

Só era lembrado no momento de tomar os remédios receitados pelo pai, prescritos caseiramente, sem nenhum acompanhamento terapêutico. 

Pelos vídeos familiares, torna-se evidente a intenção de enlouquecê-lo. 

Existem imagens de Bernardo chorando, correndo, fugindo, sendo seguido pela câmera no maior desespero e clamando para que parassem de filmar, tendo a sua tristeza questionada, o seu psicológico torturado, para que ele soltasse algum palavrão, fizesse um desatino ou demonstrasse um comportamento violento. 

Por que um pai filmaria o filho em prantos se não para documentar o seu desequilíbrio? O comum é registrar o filho rindo, dançando, feliz, no colo, divertindo-se na piscina, jogando bola no gramado: cenas típicas e saudáveis da saudade do amor. Bernardo se via imensamente excluído e, simultaneamente, exposto ao escárnio, obrigado a se trancar no guarda-roupa para obter uma mínima privacidade para a sua dor. 

Como todos os recursos e maus-tratos não surtiram efeito para estigmatizá-lo de desequilibrado, encomendou-se o homicídio secreto, para que ele não incomodasse mais ninguém com a sua doçura dentro da sua residência. 

É o crime mais chocante do Rio Grande do Sul. Será sempre brutal e inexplicável pelos laços de sangue envolvidos, por mais que o tempo passe, por mais que o réu saia do banco e da sala por não aguentar enxergar o que ele mesmo fez. 

Pela primeira vez, no júri, forçosamente, Leandro está dando atenção para Bernardo. 

(Crônica do jornal Zero Hora, 23 de março de 2023)

Foto acima da internet 

O Caso Bernardo Boldrini (também chamado de Caso do Menino Bernardo) refere-se ao assassinato do menino brasileiro Bernardo Uglione Boldrini (Santa Maria, 6 de setembro de 2002 − Frederico Westphalen,  4 de abril de 2014), de onze anos de idade, ocorrido em 4 de abril de 2014, por meio de  superdosagem do medicamento Midazolan, que lhe foi dado pela madrasta, Graciele Ugulini. 

O corpo de Bernardo foi encontrado 10 dias depois, no dia 14 de abril de 2014, numa cova feita num matagal, no interior de Frederico Westphalen. Foram acusados e condenados pelo crime o pai Leandro Boldrini, a madrasta, Graciele Ugulini, a amiga dela, Edelvânia Wirganovicz e o irmão desta, Evandro Wirganovicz. 

Em maio de 2014, a Lei Bernardo, chamada pela imprensa de Lei da Palmada, foi sancionada em sua homenagem. O caso foi listado pelo Brasil Online, Estado de S. Paulo e a revista Veja ao lado de outros crimes que chocaram o Brasil.

Um comentário:

  1. Os envolvidos diretamente são facínoras, pena máxima pra todos.
    Infelizmente uma sociedade omissa.

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