segunda-feira, 5 de abril de 2021

O problema dos outros

 

O seu problema, por pior que seja, pode não ser tão sério quanto o do seu vizinho.

Era uma vez um sábio muito conhecido que vivia em uma montanha do Himalaia.

Cansado de conviver com os homens, havia escolhido uma vida simples e passava a maior parte do tempo meditando.

Sua fama, porém, era tão grande, que as pessoas estavam dispostas a andar por caminhos estreitos, subir colina escarpadas, vencer rios caudalosos – apenas para conhecer aquele homem santo, que acreditavam ser capaz de resolver qualquer angústia do coração humano.

O sábio, como era um homem cheio de compaixão, dava um conselho aqui, outro ali, mas procurava livrar-se logo dos visitantes indesejados. Mesmo assim, eles apareciam em grupos cada vez maiores, e certo dia uma multidão bateu a sua porta, dizendo que lindas historias a seu respeito haviam sido publicadas no jornal local, e todos estavam certos que ele sabia como superar as dificuldades da vida.  O sábio não disse nada; pediu que sentassem e esperassem. Três dias se passaram, e mais gente chegou. Quando não havia espaço para mais ninguém, ele dirigiu-se ao povo que estava diante de sua porta:

“Hoje vou dar a resposta. Mas vocês prometem que, assim que tiverem seus problemas solucionados, dirão aos novos peregrinos que me mudei daqui – de modo que possa continuar a viver na solidão que tanto almejo’’. Homens e mulheres fizeram um juramento sagrado; se o sábio cumprisse o prometido, eles não deixariam mais nenhum peregrino subir a montanha.

“Digam-me seus problemas”, pediu o sábio.  Alguém começou a falar, mas foi logo interrompido por outras pessoas – já que todos sabiam que aquela era a ultima audiência pública que o santo homem estava dando, e tinham medo que ele não tivesse tempo de escutá-los. Minutos depois, s confusão estava criada; muitas vozes gritando ao mesmo tempo, gente chorando, homens e mulheres arrancando o cabelo de desespero, porque era impossível fazer-se ouvir.

O sábio deixou que a situação se prolongasse um pouco, até que gritou:

- Silêncio! – a multidão calou-se imediatamente – Escrevam seus problemas e coloquem o papel na minha frente.

Quando todos terminaram, o sábio misturou os papéis em uma cesta, pedindo o seguinte:

- Passem esta cesta por todos; que cada um tire o papel que está em cima, e leia o que foi escrito. Vocês podem escolher entre passar a ter o problema que está escrito ou pedir o seu problema de volta a quem sorteou.

Cada um dos presentes pegou uma das folhas de papel, leu, e ficou horrorizado. Concluíram que aquilo que tinham escrito, por pior que fosse, não era tão serio como o que afligia o seu vizinho. Duas horas depois, trocaram os papéis, e cada um tornou a colocar no bolso o seu problema pessoal, aliviado por saber que a sua aflição não era tão dura como imaginava.

Agradeceram a lição, descerem a montanha com a certeza de que eram mais felizes que os outros, e cumprindo o juramento feito – nunca mais deixaram que ninguém perturbassem a paz do santo homem.

(Paulo Coelho em “O Sul”)

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