A campanha era para derrubar o
presidente e derrubou o homem.
Juremir Machado da
Silva
Agosto de 1954. O Palácio do
Catete, no Rio de Janeiro, é uma ilha, cercado por um “mar de lama”. Getúlio
Vargas, o homem que tomou posse em 31 de janeiro de 1951, reconduzido ao poder
como “líder de massas”, experimenta a solidão em meio a uma multidão de rostos
amigos e inimigos, todos crispados. Muitas vezes, caminha nas areias do
Flamengo e deixa escapar sua vontade de que o tempo voe e mandato termine logo
para voltar à paz dos campos de São Borja. Respira fundo e sente que a brisa do
oceano como que por milagre, traz-lhe os suaves perfumes da infância no pampa.
Mas ainda lhe falta um último suspiro.
A inclinação nacionalista do velho
Getúlio Vargas, ainda mais acentuada nesse período democrático, provoca a ira
dos defensores dos interesses econômicos internacionais. A criação da Petrobrás
e a política trabalhista do jovem ministro João Goulart, afastado depois de
semear a campanha pelo aumento do salário mínimo em cem por cento, apavoram os
“tubarões” da economia. O jornalista Carlos Lacerda, apelidado de o “Corvo”,
dono de A Tribuna de Imprensa, ataca o governo Vargas a cada dia com fúria
redobrada e escrúpulos diminuídos. Denuncia a corrupção em todos os níveis.
Getúlio tentou cavar uma trincheira estimulando o “Profeta”, Samuel Wainer, a
fundar o jornal Última Hora, que se torna o único veículo a dar voz ao
presidente.
O tiro sai pela culatra. A
oposição, com a União
democrática Nacional na linha de frente, descobre nisso um motivo para
denunciar empréstimos privilegiados (os mesmos de que se beneficiavam os outros
grandes jornais). Instalou-se uma CPI. Getúlio atravessou esse último governo
bombardeado incessantemente, o que não o impediu de dar prosseguimento à sua
política de desenvolvimento. Nos jardins do Catete, muitos dos que o cercam não
suportam mais os ataques de Lacerda e alguns deixam escapar a expressão “só
matando”. Na madrugada de 5 de agosto de 1954, na rua Tonelero, 180, em
Copacabana, um pistoleiro de aluguel míope, Alcino João do Nascimento, avança
sobre Lacerda e o seu guarda-costas voluntário, o major Rubens Vaz.
Lacerda sai ferido no pé
esquerdo. Rubens Vaz é assassinado à queima-roupa. Um guarda é ferido na coxa,
mas descarrega o seu revólver na traseira do táxi que dá fuga ao assassino.
Começam os dezenove dias que vão abalar o Brasil. O táxi tinha o seu ponto na
frente do Catete. Rapidamente se descobre que os homens da Guarda Pessoal de
Getúlio estão envolvidos no atentado. Gregório Fortunato, chefe da GP e homem
de confiança de Getúlio, é apontado como “cabeça”. A República do Galeão,
inquérito dirigido pela Aeronáutica, busca o “verdadeiro mandante”. Nas páginas
da Tribuna de Imprensa estampa-se em letras garrafais o nome de Lutero, filho
de Getúlio. Beijo, irmão do presidente, também está na mira. Getúlio chora. Os
tiros da rua Tonelero acertaram sua honra. Só falta o coração.
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