segunda-feira, 23 de outubro de 2017

A morte de Getúlio Vargas



A campanha era para derrubar o presidente e derrubou o homem.

Juremir Machado da Silva

Agosto de 1954. O Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, é uma ilha, cercado por um “mar de lama”. Getúlio Vargas, o homem que tomou posse em 31 de janeiro de 1951, reconduzido ao poder como “líder de massas”, experimenta a solidão em meio a uma multidão de rostos amigos e inimigos, todos crispados. Muitas vezes, caminha nas areias do Flamengo e deixa escapar sua vontade de que o tempo voe e mandato termine logo para voltar à paz dos campos de São Borja. Respira fundo e sente que a brisa do oceano como que por milagre, traz-lhe os suaves perfumes da infância no pampa. Mas ainda lhe falta um último suspiro.

 A inclinação nacionalista do velho Getúlio Vargas, ainda mais acentuada nesse período democrático, provoca a ira dos defensores dos interesses econômicos internacionais. A criação da Petrobrás e a política trabalhista do jovem ministro João Goulart, afastado depois de semear a campanha pelo aumento do salário mínimo em cem por cento, apavoram os “tubarões” da economia. O jornalista Carlos Lacerda, apelidado de o “Corvo”, dono de A Tribuna de Imprensa, ataca o governo Vargas a cada dia com fúria redobrada e escrúpulos diminuídos. Denuncia a corrupção em todos os níveis. Getúlio tentou cavar uma trincheira estimulando o “Profeta”, Samuel Wainer, a fundar o jornal Última Hora, que se torna o único veículo a dar voz ao presidente.

O tiro sai pela culatra. A oposição, com a União democrática Nacional na linha de frente, descobre nisso um motivo para denunciar empréstimos privilegiados (os mesmos de que se beneficiavam os outros grandes jornais). Instalou-se uma CPI. Getúlio atravessou esse último governo bombardeado incessantemente, o que não o impediu de dar prosseguimento à sua política de desenvolvimento. Nos jardins do Catete, muitos dos que o cercam não suportam mais os ataques de Lacerda e alguns deixam escapar a expressão “só matando”. Na madrugada de 5 de agosto de 1954, na rua Tonelero, 180, em Copacabana, um pistoleiro de aluguel míope, Alcino João do Nascimento, avança sobre Lacerda e o seu guarda-costas voluntário, o major Rubens Vaz.

Lacerda sai ferido no pé esquerdo. Rubens Vaz é assassinado à queima-roupa. Um guarda é ferido na coxa, mas descarrega o seu revólver na traseira do táxi que dá fuga ao assassino. Começam os dezenove dias que vão abalar o Brasil. O táxi tinha o seu ponto na frente do Catete. Rapidamente se descobre que os homens da Guarda Pessoal de Getúlio estão envolvidos no atentado. Gregório Fortunato, chefe da GP e homem de confiança de Getúlio, é apontado como “cabeça”. A República do Galeão, inquérito dirigido pela Aeronáutica, busca o “verdadeiro mandante”. Nas páginas da Tribuna de Imprensa estampa-se em letras garrafais o nome de Lutero, filho de Getúlio. Beijo, irmão do presidente, também está na mira. Getúlio chora. Os tiros da rua Tonelero acertaram sua honra. Só falta o coração.


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