Mário Prata
Estava ontem sozinho jantando num
restaurante. Cinco mesas ocupadas, incluindo a minha. Quatro casais e eu,
sozinho.
Mesa um: estava claro que era o
primeiro encontro entre os dois. Dava para perceber que um fazia muita pergunta
para o outro. E riam muito, os dois. Percebia-se que ali estava acontecendo uma
conquista de ambos os lados. Os dois cheios de solicitudes. Ficarei aguardando
até que peguem na mão. Como sorriem um para o outro.
Mesa dois: outro casal ali pela casa
dos 30, 35 anos. O pau está quebrando feio. Falam um pouco alto. Percebe-se que
estão discutindo a relação. Só eles não devem saber que quando se discute a
relação é porque não existe mais relação. A mulher está na ofensiva. Chego até
a ficar um pouco com pena do homem. Aquilo não vai acabar bem.
Mesa três: sabe aquele casal que vai
jantar fora sei lá por quê? Não falam entre si. Apenas com o garçom. Aliás, ela
não fala nem com o garçom. Ele pergunta, ela diz para o marido e ele pede ao
serviçal. Estão entre os 50 e cinquenta anos. Ela faz parte daquela geração –
sabe-se lá o porquê – que não fala com garçom, conhece? Eles já devem ter
discutido muito a relação anos atrás e chegaram à conclusão que a vida é assim
mesmo, fazer o quê, vamos comer em silêncio.
Mesa quatro: um casal de velhinhos.
Resolvidos, felizes. O casal mais feliz do lugar. Ela conta histórias longas,
lentas e ele presta atenção, como se fosse a primeira vez que ela estivesse
narrando aquilo. Ele alisa o braço dela, eles devem se amar há mais de cinquenta
anos. Pelo jeitão, ela deve estar contando a última traquinagem de um neto. O
velho é só sorrisos. Vida resolvida, nada a discutir.
Mesa um: o rapaz pede mais uma
caipirinha. A moça me pareceu perguntar: mais uma? Mas ele confirma com o
garçom.
Mesa dois: a mulher se levanta e vai
– irritadíssima – para o banheiro. O marido, sozinho, bufa, pega o celular e
disca rapidamente. No telefonema é só sorrisos. Uma outra mulher? E quem me
garante que ela não está fazendo o mesmo lá do banheiro?
Mesa três:
comem em silêncio.
Mesa quatro: os dois estão vendo um
álbum de fotos. Pagaria a conta deles para ver as fotos. Olham, comentam, riem.
Ela dá um beijinho na bochecha ele. Ele percebe que eu vi. Sorri meio
envergonhado para mim. Eu faço um sinal de positivo para ele.
Mesa dois: ela volta. Ele já acabou o
telefone. Ela empurra o prato. Ele chama o garçom, pede a conta.
Mesa um: o
rapaz está falando muito alto. Vai perder a gata.
Mesa dois: antes de chegar a conta,
ela se manda e entra no carro. É ela quem dirige. A grana deve ser dela. O
marido vai até o balcão.
Mesa um: o
cara tenta beijar a moça. Ela, educadamente, refuta.
Mesa três:
ele pede a sobremesa para os dois. Ainda não se falaram.
Mesa um:
começa a quebrar o pau. O pessoal da mesa três apenas observa.
Mesa quatro: os dois velhinhos estão
abraçados. Chega um champanha. Estoura. O velhinho mandar servir para mim e
para as outras mesas. O rapaz da caipirinha gosta da ideia. O cara da mesa dois
sai. Inesperadamente, depois do gole de champanha, o casal mudo se beija na
boca.
O som do
restaurante aumenta. Começa a chover.
*****
(Do livro “Crônica
Brasileira Contemporânea”,
Organização e
apresentação de Manuel da Costa Pinto, Editora Moderna)
Boa crônica
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