Arte: Pedro Lobo Scaletsky
Está rolando de novo um babado muito
quente: o cabra-macho Lampião, o Rei do Cangaço, era gay? Esse papo não é novo,
mas sempre que retorna causa o maior estresse nas hostes dos admiradores do
iluminado matador. Tem gente dizendo que Virgulino Ferreira da Silva era
chamado, na alcova, de “rainha do sertão”. Não vejo ofensa nenhuma nisso. Mas
nem todo mundo pensa assim. E tem quem se ofenda profundamente. O escritor
francês Dominique Fernandez garante que “Grande Sertão: Veredas”, obra-prima de
Guimarães Rosa, conta a história de um amor homossexual entre Riobaldo e
Diadorim. Nonada, Riobaldo seria biba sem o saber. Bem entendido, essa é só uma
maneira de falar para entrar no espírito da coisa. Eu teria mais simpatia por
esse casal de ficção se ele saísse do armário ao final do livro. Conheço, porém,
um intelectual que fica pê da vida quando ouve “heresias” desse quilate. Por
que não? O sertão é um mundo. Uau!
O babado agora é mesmo com Lampião. Um juiz sergipano aposentado, Pedro de Morais, escreveu um livro sobre as tendências ou opções sexuais do cangaceiro mais temido e conhecido de todos os tempos, “Lampião, o mata-sete”. A família do lendário personagem foi à Justiça para, em nome da honra do antepassado famoso, impedir a publicação do material infamante. Conseguiu. Bandido, sim, com muito orgulho, gay, não. Essa posição diz muito sobre o imaginário de alguns brasileiros. Morais, pelo jeito, tem uma língua de trapo. Deve tirar a maior onda. Lampião dormiria nos pelegos, para usar uma linguagem gaudéria, do companheiro de lutas Pedro Mendes, que, matador implacável, traçaria também a Maria Bonita, que não era de se jogar fora. Em outras palavras, ménage à trois no sertão. Muito romântico. “Brokeback Mountain” na caatinga. Qual o problema? Os brutos também cedem.
Não conheço Pedro Morais. Nem li o
livro. Está censurado. Diz-se que Lampião começou a ser chamado de “fresco” por
gostar de bordar nos momentos de ócio, entre um confronto com a volante e
outro, para aliviar a tensão. Faz sentido. Mais grave seria o seu apreço pelo
perfume francês Fleur d'Amour. Parece que isso é muito sério, o mesmo valendo
para gaúcho apaixonado pelo perfume Príncipe Negro. Revisionismo histórico?
Maledicência? Como é que a revista Oia* ainda não deu duas páginas para essa
nova leitura da História? Ou deu e eu não li? A Oia adora livros como os de
Leandro Narloch, que fazem “revelações fantásticas” sobre o nosso passado
recente, tipo a culpa da escravidão era dos negros. Narloch será um dos meus
premiados do ano. Vai ganhar o troféu Jair Bolsonaro instituído por mim para
homenagear os caras mais reacionários do ano. Lampião era ou não?
Tem uma fila de historiadores para
afirmar que não, de jeito maneira, era não. E se fosse? Diminuiria o apreço de
alguns por esse Robin Hood sertanejo? Se era, por que não falar disso? Zumbi
dos Palmares também seria gay. Que coisa! Só nas revoluções gaúchas não teria
havido jamais um caso de homossexualismo. Que estranho! Lampião, eu não sei.
Mas que Riobaldo era, ah, isso era.
Juremir Machado da
Silva
* Revista Veja
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