Lourenço Diaféria
Eu não sou criança.
Eu sou de menor.
Criança tem pai, tem mãe, tem
irmão.
Eu sou de menor.
De menor tem a vida.
Criança tem livro
com figura colorida.
De menor tem o código.
Eu sou de menor.
Criança aparece em anúncio bonito
pedindo brinquedo.
De menor não tem disso.
De menor é no dedo puxando o
gatilho.
Criança tem disco da Xuxa
e do Balão Mágico.
Eu sou de menor.
Eu escuto o Ratinho.
Criança tem idade, faz
aniversário,
apaga velinhas.
Eu sou de menor.
Eu já nasci grande,
sem mês e sem ano,
apago velhinhas.
Criança é bobinha.
Eu sou de menor,
imponho respeito.
Criança tem gênio.
Eu tenho manias.
Eu sou de menor.
Criança tem clube.
Eu sou de menor.
Eu tenho minha gang.
Criança tem sítio
com pato, galinha, vaca,
bezerro, carneiro, cabrito.
Eu sou de menor.
Eu nado, me afogo, na funda
lagoa.
Eu sou de menor.
Se toco na banda ninguém me
elogia, prestigia.
Se engraxo sapato ninguém diz
“legal”.
Eu sou de menor.
Criança depende do bolso do pai.
Eu sou de menor.
Eu guardo automóvel com cara de
anjo.
Divido a grana com os marmanjos.
Me viro, me arranjo.
Como pastel, tomo caldo de cana,
descolo hambúrguer de gente
bacana.
Eu sou de menor.
Atravesso vitrô,
eu furo parede,
eu cavo buraco,
eu salto muralha,
eu miro no alvo, derrubo cigarro,
endireito cano de curva
espingarda,
sento na borda da escada rolante,
levanto os dois braços na
montanha russa.
Frequento os cinemas da avenida
Ipiranga,
e tudo que passa eu já sei de
cor.
eu sou de menor.
Nada tem graça.
Às vezes me escalam para ser
criança.
É tarde demais.
Eu sou de menor.
Já morreu o sol da aurora da
vida,
saudades não tenho.
Eu sou de menor.
Sou a vidraça quebrada
pela pedra do adulto.
Sou o rosto molhado na água da
chuva.
Sou fliperama, o barraco, a
marquise,
sou dois olhos mordendo a luz do
moinho.
Eu sou o trapo enxotado da loja,
o cara suspeito empurrando
carrinho.
Sou o discurso jamais realizado.
Sou a face clara da fortuna
escondida.
Sou o cão magrela do banquete
desperdiçado.
Sou o lado contrário do cabo da
faca.
sou a garrafa vazia jogada no mar
que volta coberta de restos da
morte.
Eu sou a resposta que não espera
perguntas.
Aqui estou. Nada mais sinto.
Apenas digo: Cuidado!
Não sou criança.
Meu nome é:
De menor!
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