(...)
− Antes de aconselhar um velhinho a seguir religiosamente a prescrição médica penosa, convença-se de que a vida dele tem utilidade.
− Não se imponha dietas inflexíveis e, uma vez por semana, faça a refeição dos seus sonhos. Lembre-se que até os condenados à morte têm o direito ao banho de sol.
− Não fale do tempo. Ele não vai mudar. Nem os chatos que se interessam por ele.
− Nunca comece uma piada sem ter certeza de que lembra do final.
− Jamais sente em sofás macios. Os outros não precisam saber da sua dificuldade para sair deles.
− Assuma que paixão não tem idade, mas não comente isso com quem é viúvo há 20 anos.
− Não fique com cara de pateta ouvindo as últimas pelos outros. Antecipe-se. Vá atrás delas. Ser porta-voz da novidade faz bem para a autoestima.
− Nunca interrompa a caminhada de um amigo para falar da sua saúde: as oscilações da sua pressão arterial não interessam a ninguém.
− Jamais aceite morar com os filhos só porque ficou sozinho. Nenhuma companhia improvisada compensa a perda da autonomia.
− As pessoas mais fortes são as capazes de viver sozinhas.
− Nossos ouvidos foram concebidos para funcionar 75 anos. Depois disso, é mais inteligente usar aparelho do que ficar pedindo que repitam. Depois da terceira repetida, as pessoas param de olhar para você.
− Cuide dos seus joelhos. A marcha insegura é o indício mais precoce de decrepitude.
− Quando um avozinho parecer deprimido, evite assuntos sérios. Conte um fofoca pra ele, não há melhor energético na velhice.
− Os fascinados pela rapidez da comunicação virtual nunca apertaram uma carta de amor contra o peito enternecido. Então, seja tolerante com eles.
− Evite queixas e fale dos seus planos, as pessoas precisam saber que você está contente em continuar vivendo.
− Quando um amigo esporádico lhe contar uma coisa interessante, anote. Ele ficará contente se, na próxima conversa, você puxar o assunto.
− Não conte problemas seus para quem não possa ajudar a resolvê-los. A ideia de que o simples relato atenuará suas dificuldades é coisa de psiquiatra. Então, só discuta com o seu.
− Quando um fanático se aproximar, não azede seu dia, chame um uber.
− Se for jovem, reverencie o idoso lúcido, e faça dele o seu oráculo particular. E acredite: quando o Google envelhecer, ele se tornará ainda mais sábio.
(Da crônica “Os oráculos do cotidiano”,
de J.J. Camargo*, Zero Hora, janeiro de 2021)
*J.J. Camargo é cirurgião torácico da Santa Casa de Porto Alegre e membro titular da Academia Nacional de Medicina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário