quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

O homem só

 Clarival Vilaça

O homem só caminhou por longo tempo em uma trilha, cortando um bosque verdejante. Sob uma árvore frondosa, sentou-se para um rápido descanso. Reparou que dezenas de pássaros entravam e saíam da copa daquela árvore e viu que isso se devia ao fato dela oferecer às aves seus frutos maduros, dos quais os pássaros se alimentavam. Esperou não estar perturbando os pequeninos pardais. 

Como havia caminhado bastante, acabou adormecendo e, sem que notasse, começou a cair uma leve e fina chuva, que, no entanto, não o atingia, protegido que estava pela árvore. Mas a chuva persistiu, aumentou de intensidade e uma leve brisa fez tremer os galhos mais finos fazendo com que as gotas de chuva acumuladas, caíssem sobre ele. 

Ele acordou, ouvindo o ruído de água corrente, além da chuva. Era um riacho que ficava logo abaixo de onde estava. Desceu a pequena encosta e se deparou com o que concluiu ser nada mais que um filete d'água vindo da montanha distante. Águas cristalinas serpenteando entre as pedras muito brancas e o capim molhado. Pensativo, o homem só ficou a admirar o que se descortinava à sua frente. Não era apenas a beleza do lugar, mas havia flores acompanhando o riacho. De todas as cores e tamanhos, elas pareciam emoldurar o pequeno rio que nascia ali. Pássaros coloridos pousavam por instantes em finos galhos e espargiam a chuva de suas penas. O homem solitário pensou, então, em voz alta: 

- Riacho, lindo riacho, de onde vem e para que terras distantes vai você? 

Um som muito suave e musical veio em resposta à sua pergunta. Podia ser o vento, talvez os pássaros. Ele não sabia, mas ouviu claramente: 

- Eu broto do âmago da terra, mas antes estive no mar e nos lagos. Estive no alto das montanhas, buscando meu caminho pelo ventre do solo. Nessa busca pelo meu destino, encontro a escuridão, encontro os vermes e seu repasto, os mortos, choco-me com pedras frias e, finalmente, me vejo diante do sol. Poder ver o sol é uma emoção que sempre almejo durante a viagem. 

Embora surpreso, o curioso e solitário homem perguntou:

- E como termina sua jornada? 

- Terminar? Ah, não, eu venho descendo por onde me leva a gravidade. Às vezes, paro e faço redemoinhos no mesmo lugar, mas sempre sigo em frente, caso contrário, corro o risco de me perder sob o solo. Assim vou seguindo, encontro outras pedras, depois mais vegetação, logo vejo a poluição das cidades e sempre chego a um lago e, com sorte, ao mar. Só então recomeço minha viagem, primeiro para o céu, formando nuvens, mais tarde desço como chuva e reinicio toda minha trajetória, que, nesse momento, se traduz neste regato. 

- Mas isso não é solitário? - perguntou o homem solitário. 

- Nunca pensei nisso. A vida é uma sucessão constante. Quando sou nuvem, naves me tocam suavemente, me acariciam e vejo rostos felizes me admirando pelas janelinhas. Não foi assim na sua infância? Quando penetro a terra, vejo-me na escuridão, entendo que isso é passageiro, que logo verei novamente o sol. Quanto aos vermes, quem não os encontra pela vida? Eu não assisto aos funerais, mas passo sob o seu desfecho. Você nunca viu pessoas que, por seu desamor, parecem mortas em vida? Apenas passo por elas e as ignoro. O sol sempre estará à minha espera e a jornada seguirá como deve ser. Bons e maus momentos. 

O homem escutava atento.

- Quanto à solidão, há momentos em que deslizo solitário, é verdade, mas há os pássaros, a luz e criaturas maravilhosas no meu caminho. A solidão acaba sempre ficando para trás. 

O homem solitário comparou sua vida à do riacho e viu que eram vidas parecidas. Bons e maus momentos, presenças e ausências, mas sempre uma compensação no final. Despediu-se mentalmente do riacho, que seguia seu caminho e se pôs ele também a ir em frente. A chuva cessara. Agora, sentia-se menos solitário, pois viu que o sol começava a brilhar um pouco mais adiante, esperando por ele.


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