sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

O bem maior, o mal menor e a aflição

 Elói Zorzetto

Claro que o mal maior para quem está vivo é a morte. Alguém tem dúvida? Temer a morte é a ordem da vida. E o bem maior é estar e continuar vivo. Pelo fato de estarmos vivos, existem sentimentos maravilhosos que acalentam a nossa existência, que tornam nossa vida tão indescritível, e outros que nos deixam esgotados, aborrecidos, atormentados. 

Atualmente uma parcela muito grande de pessoas convive com uma inquietação comum: a aflição. Agora aflorou, mas na verdade começa lá pela infância. Crianças ficam aflitas com o desconhecido, o desconforto, a fome, o frio, o abandono ou a autonomia que lhes falta. 

Jovens se sentem inquietos pela pressão social, pela falta de sossego provocada pela necessidade de se “estabelecer” na vida. O que fazer do futuro, dos sonhos, do amor que não aparece ou não é correspondido, da desilusão, das dificuldades que parecem insuperáveis, intransponíveis? 

E os jovens pais? Quem imaginaria que a sequência de noites em claro nem é levada em conta se comparada à aflição causada por alguma indisposição ou enfermidade dos pequenos. 

E a ausência de recursos? Imagine o que é a aflição de um endividado a quem a vida não deu a sorte de conseguir manter as contas em dia? Passa noites em claro imaginando como conseguir o mínimo para suprir suas necessidades e da família. 

A aflição está aí, viva, presente. É tão danosa que às vezes chega a ser mais prejudicial aos doentes do que a própria enfermidade. 

Os idosos? Alguns continuam vivendo aflitos. Outros, mais calejados pelo tempo, entendem que o sofrimento é parte da vida. São resilientes. Para eles não vale a pena somar mais sentimentos negativos ao sofrimento que já tiveram ou ainda aguentam. 

Até as igrejas colocam em suas orações pedidos para que Deus interceda e console os aflitos. Não adianta ser o homem mais atraente ou a mulher mais linda do bairro se neles habitam alguns tipos de inveja, ódio, ciúme, raiva. Esses sentimentos são poderosos para corroer a alma de alguém e fazer com que viva retroalimentando o negativo. Sentimentos ruins trazem a aflição que atormenta quem está acordado e que tenta dormir. A aflição degrada o corpo e a alma. 

Mas claro que tem gente que passa longe disso tudo, tem sorte. De alguma maneira, consegue de desvencilhar dessas amarras, é otimista, compreensivo, resolvido e vive sem que haja prejuízo maior em seus dias. Quem, por algum motivo, convive com algumas dessas dificuldades teve, com certeza, um aprofundamento nos últimos 12 meses. A que não conhecia o significado de aflição, a pandemia o ensinou. 

Precisamos descobrir como desligar ou minimizar os efeitos desse sentimento em nosso cérebro para torná-lo um mal menor. Os neurocientistas devem estar trabalhando nisso. Eu acredito que possamos começar pela vacina. 

(No jornal Zero Hora, janeiro de 2021)

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