"O fato de milhões de criaturas
compartilharem os mesmos vícios não os transformam em virtudes; o fato delas
praticarem os mesmos erros não os transformam em verdades e o fato de milhões
de criaturas compartilharem a mesma forma de patologia mental (moral, social e
comportamental) não torna estas criaturas mentalmente sadias". (Erich
Fromm)
Jesus era... peripatético
Numa das empresas em que trabalhei,
eu fazia parte de um grupo de treinadores voluntários.
Éramos coordenados pelo chefe de treinamento, o professor Lima, e tínhamos até um lema: "Para poder ensinar, antes é preciso aprender" (copiado, se bem me recordo, de uma literatura do Senai).
Éramos coordenados pelo chefe de treinamento, o professor Lima, e tínhamos até um lema: "Para poder ensinar, antes é preciso aprender" (copiado, se bem me recordo, de uma literatura do Senai).
Um dia, nos reunimos para discutir a
melhor forma de ministrar um curso para cerca de 200 funcionários. Estava claro
que o método convencional - botar todo mundo numa sala – não iria funcionar, já
que o professor insistia na necessidade da interação, impraticável com um
público daquele tamanho.
Como sempre acontece nessas reuniões,
a imaginação voou longe do objetivo, até que, lá pelas tantas, uma colega
propôs usarmos um trecho do Sermão da Montanha como tema do evento. E o
professor, que até ali estava meio quieto, respondeu de primeira. Aliás, pensou
alto:
- Jesus era peripatético...
Seguiu-se uma constrangida troca de
olhares, mas, antes que o hiato pudesse ser quebrado por alguém com coragem
para retrucar a afronta, dona Dirce, a secretária, interrompeu a reunião para
dizer que o gerente de RH precisava falar urgentemente com o professor. E lá se
foi ele, deixando a sala à vontade para conspirar.
- Não sei vocês, mas eu achei esse comentário de extremo mau gosto – disse a Laura.
- Não sei vocês, mas eu achei esse comentário de extremo mau gosto – disse a Laura.
− Eu nem diria de mau gosto,
Laura. Eu diria ofensivo mesmo − emendou o Jorge, para acrescentar que estava
chocado, no que foi amparado por um silêncio geral.
- Talvez o professor não
queira misturar religião com treinamento - ponderou o Sales, que era o mais
ponderado de todos. - Mas eu até vejo uma razão para isso...
- Que
é isso, Sales? Que razão?
- Bom, para mim, é óbvio
que ele é ateu.
- Não diga!
− Digo. Quer dizer, é um direito dele. Mas daí a
desrespeitar a religiosidade alheia...
Cheios de fúria, malhamos o professor
durante uns dez minutos e, quando já o estávamos sentenciando à fogueira
eterna, ele retornou. Mas nem percebeu a hostilidade. Já entrou falando:
− Então, como ia dizendo,
podíamos montar várias salas separadas e colocar umas 20 pessoas em cada uma. É
verdade que cada treinador teria de repetir a mesma apresentação várias vezes,
mas... Por que vocês estão me olhando desse jeito?
− Bom, falando em nome do grupo,
professor, essa coisa aí de peripatético, veja bem...
- Certo! Foi daí que me
veio a ideia. Jesus se locomovia para fazer pregações, como os filósofos também
faziam, ao orientar seus discípulos. Mas Jesus foi o Mestre dos Mestres,
portanto a sugestão de usar o Sermão da Montanha foi muito feliz. Teríamos uma
bela mensagem moral e o deslocamento físico... Mas que cara é essa? Peripatético quer dizer "o que ensina
caminhando".
E nós ali,
encolhidos de vergonha.
Bastaria um de nós ter tido a
humildade de confessar que desconhecia a palavra que o resto concordaria e tudo
se resolveria com uma simples ida ao dicionário. Isto é, para poder ensinar,
antes era preciso aprender. Finalmente, aprendemos. Duas coisas.
A primeira
é: o fato de todos estarem de acordo não transforma o falso em verdadeiro.
A segunda é que a sabedoria tende a
provocar discórdia, mas a ignorância é quase sempre unânime.
(Artigo escrito por
Max Gehringer publicados na Revista VOCÊ SA.)
Nenhum comentário:
Postar um comentário