sábado, 26 de abril de 2014

O Caminho do Bezerro



Sam Walter Foss

Um dia, através da floresta virgem, um bezerro emigrou para o seu curral distante, a exemplo dos bons bezerros.

Mas fez uma picada sinuosa, corcoveada, a exemplo de todos os bezerros.

Trezentos anos escoaram-se desde então, e deduzo que o bezerro esteja morto.

Mas atrás de si ele deixou seu rasto, e nisto se estriba a moral de meu conto.

Seu rasto foi seguido, no dia seguinte, por um cão vagabundo, que percorreu a mesma trilha.

E depois, um prudente carneiro-guia seguiu-o por vales e montes.

E, após si, conduziu todo o rebanho, a exemplo também de todos os bons guias.

E desde esse dia, por sobre outeiros e planícies, foi-se abrindo um caminho através daquela vetusta floresta.

Muitos homens molestavam-se por dentro e por fora, esquivam-se, voltavam e perambulavam.

E proferiram palavras de justa indignação, por causa de tão sinuoso caminho.

Mas, ainda assim, continuavam repetindo – não se ria! – a primeira emigração do bezerro.

E por este caminho, sáfaro e encaracolado, eles andavam lentos, cambaleantes e trôpegos...

O caminho da floresta tornou-se uma alameda, que se encurva, dobra e redobra.

A tortuosa alameda transformou-se numa estrada, onde muitos pobres cavalos, arqueados sob pesadas cargas, troteavam penando ao sol ardente e andavam três milhas para avançar uma.

E, assim, durante um século e meio, todos seguiram as pegadas do bezerro.

Os anos passaram em célere voo, e a estrada converteu-se numa viela de aldeia.

E sem que os homens o percebessem, a viela metamorfoseou numa movimentada via pública de cidade.

E, logo se erigiu em rua central de uma famosa metrópole.

E durante dois séculos e meio têm os seres humanos se submetido às pegadas do bezerro.

Dia a dia, centenas de milhares de homens repetem o mesmo ziguezague do bezerro.

E por esta corvoveada trajetória, desde então, deu-se o tráfego de um continente.

Centenas de milhares de homens se hão orientado por um bezerro morto há quase três séculos.

E ainda seguem seu saracoteado trajeto, e em cada dia perdem uma centena de anos.

Pois tal e tanta é a reverência que tributam a um precedente estabelecido.

Uma lição de moral isto poderia ensinar, fosse eu um pregador ordenado, pois os homens se inclinam a seguir cegamente o caminho do bezerro imaginado.

E trabalham a morrer, de sol a sol, no afã de imitar o que os outros fizeram.

Só palmilham pista já batida. E oscilando para dentro e para fora, para diante e para trás.

Seu tortuoso curso seguem sempre, para conservar o trajeto iniciado por outros.

Fazem do caminho uma rota sagrada, pela qual se movimentam durante toda a vida.

E como deles riem os antigos deuses da floresta, que testemunharam o andar incerto do bezerro primevo!

Ah! Quantas coisas poderia esta história ensinar... mas não fui ordenado pregador.


Sam Walter Foss – bibliotecário e poeta americano
(19.06.1858 – 26.02.1911)



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