sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Recuerdos da “28”*

Kenelmo Amado Alves e Francisco Alves.


De vez em quando, quando boto a mão nos cobre,
Não existe china pobre, nem garçom de cara feia.
Eu sou de longe, onde chove não goteia,
Não tenho medo de potro, nem macho que compadreia.

Boleio a perna e vou direto pro retoço,
Quanto mais quente o alvoroço, muito mais me sinto afoito,
E o chinaredo, que de muito me conhece,
Sabe que pedindo desce, meu facão na 28”.

Remancheio num boteco ali nos trilhos,
Enquanto no bebedouro mato a sede do tordilho.
Ouço mugindo o barulho da cordeona
E a velha Porca Rabona, retoçando no salão.
Quem nunca falta é um índio curto e grosso
De apelido Pescoço, da Rabona o querendão.

Entro na sala no meio da confusão,
Fico meio atarantado que nem cusco em procissão.
Quase sempre, chego assim meio com sede,
Quebro o meu chapéu na testa de beijar santo em parede.
E num relance, se eu não vejo alguém de farda, eu grito:
- Me serve um liso daquela que matou o guarda!

Guardo o trabuco, empanturrado de bala,
Meu facão, chapéu e pala e com licença, vou dançar.
Nesses fandangos, levo a guaiaca recheada,
Danço com a melhor china, que me importa de pagar!

O meu cavalo, deixo atado no palanque,
Só não quero que ele manque quando terminar a farra.
A milicada sempre vem fora de hora,
Mas eu saio porta afora, só quero ver quem me agarra.
Desde piazito, a polícia não espero,
Se estoura a rebordosa, me tapo de quero-quero.

* O cabaré da 28” era o da Porca Rabona**, ficava em Uruguaiana, na Rua 28 de Setembro, hoje Doutor Maia, próxima aos trilhos da Viação Férrea que conduzia para a Argentina. Era um chinaredo de 2ª categoria, mas as melhores mulheres estavam, no cabaré do Ivo, na Vestina, na Gessi e em outras. O cara que enchia o trabuco de bala era o Vito Catharino, metia arruaça no cabaré e se mandava para o Imbaá, local onde eles tinham fazenda. Havia uma particularidade, o Vito tinha um cavalo que saltava tudo o que era cerca. Nunca a polícia conseguiu pegá-lo. Morreu num entrevero de bala, não sei se foi no da 28”... (Jaime de Andrade)

**A denominação Porca Rabona seria que, numa briga, ela teria levado uma facada na bunda, daí o apelido.       

Esta canção foi apresentada na 10ª Califórnia da Canção Nativa, em 1980, e é hoje um clássico do regionalismo gaúcho. A letra fala dos bordéis da antiga Rua 28 de Setembro, atual Doutor Maia, em especial o cabaré da cafetina Porca Rabona, então muito conhecido.

P.S.1: A gravação dessa música está na internet na voz de Joca Martins.

P.S.2: Há quem quem diga o antigo nome da rua Dr. Maia, de 28 de fevereiro; e há quem diga, rua 28 de setembro.

Com a palavra, o pessoal de Uruguaiana...   


O antigo bebedouro perto do Irga, em Uruguaiana.


À direita, com vestido branco, Ivo Rodrigues, 
o dono do melhor cabaré de Uruguaiana.


Ivo, sem roupas femininas, entregando presentes para a criançada.


Último cabaré do Ivo Rodrigues


Mausoléu de Ivo Rodrigues, sua última morada...


Acima, o historiador amador Daniel Fanti, diante do Mausoléu cor-de-rosa de Ivo Rodrigues.

E a Porca Rabona?

Só conseguimos uma crônica de Flávio Del Mese, fotógrafo, empresário, viajante, entre outras coisas, que fala, no final do texto, na Porca Rabona.

Entre Outras Manias...

Flávio Del Mese

Tenho uma, que não sei como começou: a de atravessar pontes a pé e, de preferência, sozinho ou com uma pessoa que tenha um olhar aguçado e boas observações. Acho que a ponte os afasta de ambos os lados, quem sabe, da realidade, deixando o pensamento mais solto, mais livre. Uma das travessias mais recentes e transgressoras, pois há um cartaz dizendo que é proibido, foi a da ponte Hercílio Luz em obra há uns 10 anos. Um dia, eu andava caminhando por ali. Me aproximei querendo perguntar, pedir licença ou qualquer coisa parecida, mas só vi alguns operários absortos em suas funções. Não dei bola, me concentrei, fiz cara de engenheiro e fui em frente. Em meia hora acrescentei mais uma travessia em meu currículo. Chegara feliz no Brasil Continental, mas eu queria voltar à ilha que, a meu ver, ainda deveria se chamar Desterro.

Extenuado pelo sucesso da empreitada, me regozijei por alguns minutos, achando que até merecia uma caipirinha, mas não havia onde, não há nada na cabeceira da ponte em obras. Decidi voltar. Aí já era meio dia e nem os operários estavam. Ao chegar no apartamento, ninguém compartilhou da minha satisfação e ouvi o de sempre: você está maluco, o que é que te deu na cabeça? Podia ter caído de lá, etc. Só se calaram quando repeti as palavras de Shakespeare: “Heróis só morrem uma vez”. Não era o meu caso, não houve heroísmo nenhum. Por sorte, o João Nadir Franco de Lima nos chamou para começar a servir um bacalhau que só ele faz. É único, pois ele nunca consegue repetir a receita. Eu sempre chamo de “Bacalhau de China Pobre”, afinal, ele é de Uruguaiana. E é sempre bom. Diz ele que aprendeu com a Porca Rabona, que era dona de um cabaré… em Uruguaiana.

04 de fevereiro de 2013


13 comentários:

  1. Legal conhecer os lugares e histórias dessa música.

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  2. Eu ja conhecia um pouco agora esta bem contada

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  3. Excelente. Muito interessante.
    Não há foto da Porca Rabona?

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    1. Se alguém tiver uma foto da Porca Rabona, é só pôr nos comentários que colocaremos na matéria.

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  4. Meu pai nasceu na 28, e meu avô Tito Livio Fagundes Barbosa conhecido como Duda,muitas vezes quando o bochincho estava grande chamava os "homens de farda", pois só ele tinhá telefone na redondeza. As chinas sabiam disso é muitas vezes se vingavam jogando pedras no meu pai Her Soares Barbosa quando voltava a cavalo da escola União.

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  5. Recuerdos da 28 é de autoria de Kenelmo Amado Alves e Francisco Alves.

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  6. Meu Pai Foi Um Jovem Trabalhador e Bem Sucedido. Em Seus Passeios (1940-45) à Capital (Morava Próximo de Canela) Conheceu uma Moça que Vivia em Bordel de Porto Alegre. Em Seus Guardados Muitas Cartas e Fotos Recebidas da Jovem Suely, Elegante Uruguaianense..!

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  7. conheci a rua 28 de setembro, hoje Dr maia, morei na casa de minha avó, nr 3514. a cem metro dos trilhos e do bebedouro citados na música. A "zona do meretrício" era na rua 28, entre a benjamim Constant e a Venâncio Aires. A Porca rabona, era a Dona Ernestina dona do cabaré,e o amante era seu Mário Castro, peão de estância e frequantador assíduo.

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  8. Amigo Tomazzini, obrigado pelos esclarecimentos.

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