sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Romance Gramatical

Gramatistória

Nélio Ferreira Loures


Em meio a uma crônica, o Ponto Final e a Vírgula se conheceram. E em uma voz passiva e analítica dialogaram. Perceberam que um era o complemento do outro.

Em letras maiúsculas fizeram do verbo “amar” um verbo de ligação entre eles. E no presente, traçaram planos para o futuro. Concordaram em tudo - gênero e número - e se fizeram “o Ponto e Vírgula”.

Assim viveram... Se completaram por composição e derivação. Fizeram a vida tão sábia quanto à poesia de Cora Coralina e tão doce quanto os romances de José de Alencar. Promoveram diversos encontros consonantais, muitos dos quais não sofreram a divisão silábica.

Viveram de realismo e ficção. Conjugaram o verbo “amar” em todos os tempos e modos... Até que o Ponto começou a desconfiar que a Vírgula mantinha casos particulares com algum sujeito indeterminado.

O Ponto de tudo fez para descobrir quem era este sujeito. Interrogou o Ponto de Interrogação. Interrogou as Reticências, as Aspas, os Parênteses... Até orações fez. Mas nada descobriu.

Já estava quase esquecendo o incidente quando a Partícula de Realce apareceu como indicativo do sujeito. Era o Travessão.

Atordoado com a afirmação, o Ponto não conseguia entender como a Vírgula se apaixonara com um sujeitinho simples como aquele. Chegou a dizer que a Vírgula fora a pontuação mais singular que já conhecera e que aquele amor fora o substantivo mais abstrato que passara por sua vida. Todo aquele pretérito mais que perfeito perdeu o sentido. Não havia adjetivo explicativo o bastante para explicar tal traição.

Então, num tom imperativo, resolveu ir ter com o Travessão. Afinal, um ponto final precisa encerrar a última palavra. Partiu, num grau comparativo de superioridade, disposto a rasgar o verbo e abalar a estrutura das palavras.

Chegando diante do Travessão, fez dele objeto direto dos mais terríveis adjetivos, prepostos quase sempre por complementos nominal e verbal de baixo calão. O Travessão aguentou o quanto pôde, até que, como na regra geral, partiu para uma acentuação diferencial. Rolaram-se trocando socos e pontapés.

Logo foram chegando elementos de todo lugar. Os Prefixos Latinos, os Radicais Gregos, o Verbo - que na ocasião se dirigia para seu emprego, os fonemas, as vogais... Chegaram tantos curiosos que logo formaram uma enorme redação ao redor da briga. E do meio dos curiosos, saiu o Hífen, que outrora separava os elementos compostos por justaposição, fazendo-se de partícula apassivadora, separou o Ponto e o Travessão.

O Ponto, acalmando sua fúria, olhou para o Travessão. Estava tão quebrado que mais parecia a letra “Z”. Dirigiu seu olhar ao grupo que o circundava. Já estava tão grande que formava um conto. Todos olhavam fixamente para ele e usavam palavras denotativas de realce que faziam de seu ato uma hipérbole.

Tristonho e cabisbaixo, o Ponto sentiu-se minúsculo como se fosse o sinônimo do primitivismo. Resolveu, então, por um ponto final na sua vida de Ponto Final. Subiu o ponto mais alto da escala gramatical e de lá se atirou para o seu infinitivo pessoal.




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