Gramatistória
Nélio Ferreira Loures
Em meio a uma crônica, o Ponto Final
e a Vírgula se conheceram. E em uma voz passiva e analítica dialogaram.
Perceberam que um era o complemento do outro.
Em letras maiúsculas fizeram do verbo “amar”
um verbo de ligação entre eles. E no presente, traçaram planos para o futuro.
Concordaram em tudo -
gênero e número -
e se fizeram “o Ponto e Vírgula”.
Assim viveram... Se completaram por
composição e derivação. Fizeram a vida tão sábia quanto à poesia de Cora
Coralina e tão doce quanto os romances de José de Alencar. Promoveram diversos
encontros consonantais, muitos dos quais não sofreram a divisão silábica.
Viveram de realismo e ficção.
Conjugaram o verbo “amar” em todos os tempos e modos... Até que o Ponto começou
a desconfiar que a Vírgula mantinha casos particulares com algum sujeito
indeterminado.
O Ponto de tudo fez para descobrir
quem era este sujeito. Interrogou o Ponto de Interrogação. Interrogou as
Reticências, as Aspas, os Parênteses... Até orações fez. Mas nada descobriu.
Já estava quase esquecendo o
incidente quando a Partícula de Realce apareceu como indicativo do sujeito. Era
o Travessão.
Atordoado com a afirmação, o Ponto
não conseguia entender como a Vírgula se apaixonara com um sujeitinho simples
como aquele. Chegou a dizer que a Vírgula fora a pontuação mais singular que já
conhecera e que aquele amor fora o substantivo mais abstrato que passara por
sua vida. Todo aquele pretérito mais que perfeito perdeu o sentido. Não havia
adjetivo explicativo o bastante para explicar tal traição.
Então, num tom imperativo, resolveu
ir ter com o Travessão. Afinal, um ponto final precisa encerrar a última
palavra. Partiu, num grau comparativo de superioridade, disposto a rasgar o
verbo e abalar a estrutura das palavras.
Chegando diante do Travessão, fez
dele objeto direto dos mais terríveis adjetivos, prepostos quase sempre por
complementos nominal e verbal de baixo calão. O Travessão aguentou o quanto
pôde, até que, como na regra geral, partiu para uma acentuação diferencial.
Rolaram-se trocando socos e pontapés.
Logo foram chegando elementos de todo
lugar. Os Prefixos Latinos, os Radicais Gregos, o Verbo - que na ocasião se dirigia
para seu emprego, os fonemas, as vogais... Chegaram tantos curiosos que logo
formaram uma enorme redação ao redor da briga. E do meio dos curiosos, saiu o
Hífen, que outrora separava os elementos compostos por justaposição, fazendo-se
de partícula apassivadora, separou o Ponto e o Travessão.
O Ponto, acalmando sua fúria, olhou
para o Travessão. Estava tão quebrado que mais parecia a letra “Z”. Dirigiu seu
olhar ao grupo que o circundava. Já estava tão grande que formava um conto.
Todos olhavam fixamente para ele e usavam palavras denotativas de realce que
faziam de seu ato uma hipérbole.
Tristonho e cabisbaixo, o Ponto sentiu-se minúsculo como se fosse o sinônimo do primitivismo. Resolveu, então, por um ponto final na sua vida de Ponto Final. Subiu o ponto mais alto da escala gramatical e de lá se atirou para o seu infinitivo pessoal.
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