sábado, 25 de dezembro de 2021

Festa com “mui amigos” e com amigos de verdade.

  Sua infantaria 

Fabrício Carpinejar

É fazendo uma festa que você vai descobrindo quem são os seus amigos do peito. 

O primeiro batalhão a dar tchau é constituído dos colegas de ocasião, os que só passaram pelo encontro para bater ponto e não carregarem a pecha de que foram ausentes. O mais importante para eles é alegar que compareceram. Marcam presença, e desaparecem. São os políticos do seu status, ligados ao seu prestígio e influência. Ficam, no máximo, uma hora conversando, bebem uma cerveja, chamam atenção e saem sem avisar. Têm outros compromissos agendados na mesma hora. 

O segundo batalhão a ter baixa são os convidados de outros convidados. Empenham-se em se enturmar, localizar afinidades e não acabar sendo considerados penetras. Representam os perguntadeiros de onde você é e com quem você trabalha. Permanecem até a primeira hora da madrugada. Usam aquela reunião como aquece para uma balada, aproveitando a bebida de graça e, se possível, garantindo um rango para forrar o estômago. 

O terceiro batalhão traz os contatos mais antigos, que há muito tempo não via. São os observadores dos seus novos laços. Não se movimentam, blocos parados e invejosos da celebração. Mofam no sofá ou nas cadeiras, reparando na dança e na alegria dos outros de longe. Confundem a sua casa com recepção de hotel. Parecem tristes, nostálgicos, deslocados. Reclamam do funk e do sertanejo: “isso não é música”. Não duram a festa inteira − desistem na metade. 

No quarto batalhão, estão os seus cúmplices do trabalho, do seu dia a dia, com quem tem o hábito de falar frequentemente. Puxam as rodas, baixam as bebidas do congelador, atendem a porta, movimentam-se com fluência. São os donos substitutos da casa. Entram nos quartos e apresentam os espaços para os novatos. Vão embora apenas de manhã. 

Seus amigos de verdade serão aqueles que se preocuparão em ajudar a limpar a bagunça. Os que restam depois da festa. 

São três ou quatro pessoas que se importam com você, além das circunstâncias favoráveis. Dirá para eles que não precisa de ajuda, mas eles insistirão, não aceitarão largá-lo com a residência pelo avesso. São agradecidos pelo tempo e pelo espaço oferecidos. Recolhem os copos pelas estantes, andam com sacos de lixo para catar garrafas pelos cômodos, varrem a sujeira mais visível do tapete, vasculham a situação dos banheiros, deixam um pano no chão da cozinha, lavam e secam a louça. 

De todo o seu exército, essas figuras são as mais leais, as mais parceiras, com as quais você pode contar na tristeza. Formam a sua fileira de frente, a infantaria das suas confissões, que carregará o estandarte dos seus segredos. 

O que os quatro primeiros batalhões nunca saberão é que as melhores conversas e gargalhadas surgem na faxina, recordando as histórias e as revelações da noite. 

É o momento do café da manhã, com omelete, torrada e suco. Uma canção baixinha e carinhosa começa a tocar dentro dos corações, no meio do silêncio da intimidade. A gentileza recebe os raios do sol e você enxerga quem estará ao seu lado a vida inteira. 

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(Em Zero Hora, dezembro de 2021) 

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