sexta-feira, 12 de março de 2021

O caipira do cachimbo

 

Lá ia o trem da Mogiana, soltando aquela fumaceira e faísca. A veia maria-fumaça. E, bem refestelado na segunda classe, um caboclo traçava um cachimbão que empestava o vagão inteiro. 

Entre os infelizes obrigados a engolir aquele fedor, estavam duas colegiais regateiras que só vendo. E tinham um luluzinho branco, com uma coleirinha vermelha. Um gracinha de cão. 

De repente, aquele caipira resolve dar uma desapertadinha na bexiga. Deixa o cachimbo no aparador da janela e se encaminha para o mictório. 

Ah... brilhante ideia teve uma das colegiais regateiras. Exatamente o que você está pensando: passaram a mão naquele cachimbo fedorento e... zássss. Apincharam pela janela do trem. 

O caipira volta e começa a procurar seu querido cachimbo. Apalpa daqui, procura dali, e nada. Se acomoda conformado e segue viagem, sem pitar, o que para ele devia ser grande sofrimento. 

As regateiras caem na gargalhada e no fuxico. Eis que têm a ideia de passear por outros vagões. E esquecem de levar o tal cãozinho lulu. O caipira, sem cerimônia, pega o dito cujo, abre a janela e, com o trem em movimento, despacha o animalzinho. 

Lá vêm então as mocinhas e começam a chamar o lulu:

– Nenê! Nenê! Onde você se meteu? 

E começam preocupadas a perguntar aos passageiros se viram o Nenê. O caipira responde calmamente:

– Por acauso é um cachorrinho piquitinho, branquinho, com uma coleirinha vermelhinha no pescoço? 

Elas ficam eufóricas:

– É. É esse mesmo! Onde ele está?

– Ele foi percurá o meu cachimbo, dona! 

Adaptado de Contando Causos, de Rolando Boldrin,
(Nova Alexandria, 2001).


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