Um
ricaço muito avarento perdera um saquitel (1) com boa soma de dinheiro
“Deviam estar aqui dentro oitocentos táleres; não encontro senão setecentos; vejo que vossemecê teve o cuidado de tirar por suas próprias mãos os cem que eu tinha prometido: estamos pagos.”
O campônio ficou pasmado (5), porque não tinha tocado no dinheiro, e semelhante recompensa de modo algum o podia satisfazer. “Vamos ao Senhor juiz,” exclamou ele muito azedado com a história; “não, senhor, isso não fica assim; vamos ao Senhor juiz, e o que ele disser é o que se faz.” Foram. O juiz ouviu um e outro com a maior atenção, pensou um pouco sobre o caso, e por fim saiu-se com esta sentença:
“Vossemecê,” disse ele, voltando-se para o ricaço, “perdeu um saco com oitocentos táleres, e vossemecê,” continuou o magistrado, dirigindo-se ao campônio, “achou um saco com setecentos táleres. Muito bem. Está provado que o saco que vossemecê achou, não é o mesmo que este senhor perdeu; e portanto tome vossemecê outra vez conta dele, e guarde-o até que apareça alguém a reclamá-lo.” “Quanto ao meu amigo,” concluiu o juiz, voltando-se novamente para o avarento, com um risinho de escárnio, “não tem outro remédio senão ficar esperando com paciência que lhe apareçam os oitocentos táleres.”
(Tradução)
(1) Saquitel − uma das formas
diminutivas de saco.
(2) Táler − antiga moeda
alemã de prata.
(3)
Alvíssaras − palavra de origem árabe − gratificação que se dá a quem achou o
perdido ou a quem traz alguma boa novidade − emprega-se sempre no plural.
(4) Nosso homem − o homem de
quem se falou.
(5) Ficou pasmado e não ficou pasmo, como se ouve e se lê frequentemente.
Fonte:
Seleta em Prosa e Verso dos melhores autores brasileiros e portugueses por Alfredo
Clemente Pinto. (1883) 53ª edição. Livraria Selbach.
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