Moacyr Scliar
Papai Noel, como sabemos, existe há muito tempo. E é uma figura universal: ele vai aos mais longínquos lugares, sempre disposto a ouvir os pedidos das crianças e, quando possível, atendê-los. Foi assim que um dia o bom velhinho se viu naquela longínqua e perturbada região do mundo conhecida como Oriente Médio. E lá, perto de uma aldeia, encontrou um menino que brincava. Sem demora, dirigiu-se a ele:
– Meu filho, sou o Papai Noel. Tiveste sorte: já que te encontrei, estou disposto a satisfazer um desejo teu. Diz-me, portanto, o que queres.
O menino não respondeu: fitava-o,
– Vamos lá, diz o que desejas. Para outros, faço restrições, mas a ti estou disposto a fazer concessões especiais. O que queres? Brinquedos? Mesa farta? Quem sabe uma casa nova para ti e teus pais?
– De que adianta a alguém – replicou o menino – ganhar o mundo inteiro, se perde a si mesmo?
A resposta deixou o Papai Noel perturbado. Esperava uma lista comprida de pedidos, não uma ponderação como a que acabava de ouvir. Mas não podia perder a compostura: afinal, era uma figura pública. Optou por ignorar as palavras do menino. Apontando-lhe a roupa modesta, propôs:
– Que tal um traje novo? Heim? Que me dizes? Posso te arranjar um de excelente tecido.
– Observa – disse o jovem – os lírios do campo, que não fiam nem tecem. E contudo, eu te digo: nem mesmo o rei Salomão, com toda sua pompa, se vestiu como um deles.
A esta altura, Papai Noel estava francamente perplexo – e alarmado:
– Escuta, esta tua atitude não leva a nada. Deste jeito, nunca conseguirás coisa alguma. Serás pobre, passarás fome…
– Bem aventurados os pobres – exclamou o menino −, porque deles é o reino de Deus. Bem-aventurados os que têm fome, porque serão saciados.
Com o que Papai Noel resolveu desistir e ir embora. Ali nada tinha a fazer. Era mesmo um menino muito estranho, aquele Jesus de Nazaré.
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* Publicado no livro “Mamãe
Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”, de 1996.
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