segunda-feira, 15 de março de 2021

Uma parábola de Natal*

 Moacyr Scliar

 

Papai Noel, como sabemos, existe há muito tempo. E é uma figura universal: ele vai aos mais longínquos lugares, sempre disposto a ouvir os pedidos das crianças e, quando possível, atendê-los. Foi assim que um dia o bom velhinho se viu naquela longínqua e perturbada região do mundo conhecida como Oriente Médio. E lá, perto de uma aldeia, encontrou um menino que brincava. Sem demora, dirigiu-se a ele: 

– Meu filho, sou o Papai Noel. Tiveste sorte: já que te encontrei, estou disposto a satisfazer um desejo teu. Diz-me, portanto, o que queres. 

O menino não respondeu: fitava-o, em silêncio. Perturbado, o Papai Noel insistiu: 

– Vamos lá, diz o que desejas. Para outros, faço restrições, mas a ti estou disposto a fazer concessões especiais. O que queres? Brinquedos? Mesa farta? Quem sabe uma casa nova para ti e teus pais? 

– De que adianta a alguém – replicou o menino – ganhar o mundo inteiro, se perde a si mesmo? 

A resposta deixou o Papai Noel perturbado. Esperava uma lista comprida de pedidos, não uma ponderação como a que acabava de ouvir. Mas não podia perder a compostura: afinal, era uma figura pública. Optou por ignorar as palavras do menino. Apontando-lhe a roupa modesta, propôs: 

– Que tal um traje novo? Heim? Que me dizes? Posso te arranjar um de excelente tecido. 

– Observa – disse o jovem – os lírios do campo, que não fiam nem tecem. E contudo, eu te digo: nem mesmo o rei Salomão, com toda sua pompa, se vestiu como um deles. 

A esta altura, Papai Noel estava francamente perplexo – e alarmado: 

– Escuta, esta tua atitude não leva a nada. Deste jeito, nunca conseguirás coisa alguma. Serás pobre, passarás fome… 

– Bem aventurados os pobres – exclamou o menino −, porque deles é o reino de Deus. Bem-aventurados os que têm fome, porque serão saciados. 

Com o que Papai Noel resolveu desistir e ir embora. Ali nada tinha a fazer. Era mesmo um menino muito estranho, aquele Jesus de Nazaré. 

***** 

* Publicado no livro “Mamãe Não Dorme Enquanto Eu Não Chegar”, de 1996. 

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