Fialho de Almeida*
A primeira vez que a viram na cidade, era ela criança, tímida, rósea, de um perfume alpestre da alta Saboia, e o seu olhar claro, de uma lucidez inocente, penetrava sem pejo e sem maldade todas as coisas que via.
Tinha um vestidinho de chita azul, muito pobre, e as curvas do seio arfavam-lhe o corpete justo, com uma frescura saudável.
Cabelos loiros rolavam-lhe pelas espáduas, em cintilas fulvas.
A manga um pouco curta deixava nu o seu braço robusto e bem feito, em que se revelava o sangue das grandes raças do campo, esquecidas e conservadas na agrura das solidões bravias.
Arrastava o seu carro de música, desmantelado, com o realejo em cima, pelas grandes ruas em tumulto, sozinha, crente, pura nos seus quinze anos.
Às vezes erguia timidamente os olhos para as janelas, onde borboleteavam crianças, e, suplicante, apontava o realejo, perguntando se queriam que ela moesse, como num moinho de café, os coros de Mozart. Alguns riam-se. Ela caminhava na sua miséria laboriosa.
(Do livro “Seleta em Prosa e Verso”, de José Clemente Pinto)
*José Valentim Fialho de Almeida mais conhecido apenas como Fialho de Almeida (Vidigueira, Vila de Frades, Portugal, 7 de Maio de 1857 − Cuba, Alentejo, Portugal, 4 de Março de 1911), foi um jornalista, escritor e tradutor pós-romântico português.
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