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O maior sucesso do disco e show
“Essa Mulher”, foi, sem dúvida, a música O
bêbado e a equilibrista, de Aldir
Blanc e João Bosco, que se transformou no Hino da Anistia. Um personagem em
especial acompanhou de perto o que foi para Elis ter gravado essa música e,
mais ainda, o que representou pra ela a vitória política na anistia: Henfil,
cantado na letra da canção por causa do seu irmão, Betinho, exilado. Se
depoimento:
Henfil:
− Do jeito que ela estava percebi
que era para largar tudo e ir. Quando cheguei, ela me mostrou uma fita do João
Bosco cantando O bêbado e a equilibrista.
Eu não me lembro de ter gostado ou não da música. Ela ficou chorando o tempo
inteiro. O César estava perto e não sabia o que fazer, estava demais. Talvez
ela tenha antevisto a importância que teria essa música, coisa que eu não
percebi. Talvez já soubesse que tipo de voz ia colocar, a repercussão que iria
ter. Eu fiquei apenas feliz de finalmente ter meu nome numa música. Quando ela
me chamou a segunda vez para mostrar o que tinha feito com a música, eu percebi
muita coisa. O César percebeu mais do que ninguém o que aquela música
significava para Elis, para mim. Ele percebeu que aquela música ia me jogar pro
alto. Eu estava mal, numa fase afetiva ruim, morando em São Paulo de cabeça para
baixo. E estava com um problema de estar na listra negra da televisão. O César
fez um arranjo pra aquela música que começa com aquele acordeão parecendo
caixinha de tirar sorte. Eu olhei pra ele, que me devolveu o olhar como se
dissesse: “É sua”. Aquela introdução é do tipo “prepare seu coração pras coisas
que eu vou contar”. Eu desmontei ali. Quando ela botou voz, e eu percebi
principalmente que ela estava botando mais a emoção do que a técnica, aí eu
desbundei. Quando acabou a música, percebi que a anistia ia sair. Estávamos no
começo da campanha, que mal juntava quinhentas pessoas na rua. Eu tinha todo o
cuidado de falar do meu irmão nas cartas da IstoÉ
quando o Aldir Blanc fez a letra que falava do meu irmão, ele nem sabia o nome
dele. Eu percebi uma coisa: a ditadura, o governo vai perceber que por trás
dessa música não tem quem segure o momento da anistia. Escrevi para o meu irmão
Betinho para ele se preparar. “Agora nós temos um hino e quem tem um hino faz
uma revolução.” E de fato não deu outra, aquele negócio cresceu de tal maneira
que tenho certeza que aquilo pesou para o comício passar das quinhentas para as
cinco mil pessoas. E aí nos comícios era só tocar a musica e assistir. Acho que
seis meses depois saiu a anistia, antes mesmo que a oposição tivesse condições
de gerir aquilo, de propor outras fórmulas. No dia em meu irmão chegou, ainda
havia um clima de saber se ele ia ser preso ou não. Todas as pessoas levaram um
gravador com a fita da música. E no Aeroporto de Congonhas foi aquela tocação
de O bêbado e a equilibrista. Até os
policiais ficaram tocados. A TV Globo colocou a música no ar. Betinho chegou, e
no mesmo dia levei-o ao Anhembi para ver o show da Elis. Ela interrompeu o
espetáculo para dizer que um dos motivos daquela música, graças a Deus, estava
presente. Já tinha voltado o irmão do Henfil. Era como se Elis me dissesse:
“Estamos quites”. Já não me olhava com um jeito culpado.
“Elis era a voz do estômago do
Brasil inteiro. Eu me sinto agora mais tranquilo, porque passo a ser uma
espoleta de uma grande explosão, de uma grande artista. E foi aí que aprendi
uma coisa: arte e caráter não têm absolutamente uma coisa a ver com a outra,
infelizmente. Ou felizmente.”
(Do livro “Furacão
Elis, de Regina Echevarria)
Herbert José de Sousa, conhecido
como Betinho, (Bocaiúva, Minas Gerais, 3 de novembro de 1935 − Rio de Janeiro, 9 de agosto
de 1997)
foi um sociólogo
e ativista dos direitos
humanos brasileiro.
Concebeu e dedicou-se ao projeto Ação da
Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
Foi homenageado como “o irmão do
Henfil” na canção “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc,
gravada por Elis Regina, na época da Campanha pela Anistia
aos presos e exilados políticos. Anistiado em 1979, voltou ao Brasil.
O bêbado e a equilibrista
Aldir Blanc e João
Bosco
Caía a tarde feito um viaduto,
E, um bêbado trajando luto,
Me lembrou Carlitos.
A lua, tal qual a dona do bordel,
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel.
E nuvens, lá no mata-borrão do
céu,
Chupavam manchas torturadas.
Que sufoco!
Louco!
O bêbado, com chapéu-coco,
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil.
Meu Brasil!
Que sonha com a volta do irmão do
Henfil,
Com tanta gente que partiu,
Num rabo de foguete.
Chora...
A nossa Pátria mãe gentil,
Choram Marias e Clarices,
No solo do Brasil.
Mas sei que uma dor assim
pungente,
Não há de ser inutilmente
A esperança.
Dança, na corda bamba de
sombrinha,
E, em cada passo dessa linha,
Pode se machucar.
Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista,
Tem que continuar...
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