quarta-feira, 15 de maio de 2019

A história do “Bêbado e a Equilibrista”



Imagem da Internet

O maior sucesso do disco e show “Essa Mulher”, foi, sem dúvida, a música O bêbado e a equilibrista, de Aldir Blanc e João Bosco, que se transformou no Hino da Anistia. Um personagem em especial acompanhou de perto o que foi para Elis ter gravado essa música e, mais ainda, o que representou pra ela a vitória política na anistia: Henfil, cantado na letra da canção por causa do seu irmão, Betinho, exilado. Se depoimento:

Henfil:

− Do jeito que ela estava percebi que era para largar tudo e ir. Quando cheguei, ela me mostrou uma fita do João Bosco cantando O bêbado e a equilibrista. Eu não me lembro de ter gostado ou não da música. Ela ficou chorando o tempo inteiro. O César estava perto e não sabia o que fazer, estava demais. Talvez ela tenha antevisto a importância que teria essa música, coisa que eu não percebi. Talvez já soubesse que tipo de voz ia colocar, a repercussão que iria ter. Eu fiquei apenas feliz de finalmente ter meu nome numa música. Quando ela me chamou a segunda vez para mostrar o que tinha feito com a música, eu percebi muita coisa. O César percebeu mais do que ninguém o que aquela música significava para Elis, para mim. Ele percebeu que aquela música ia me jogar pro alto. Eu estava mal, numa fase afetiva ruim, morando em São Paulo de cabeça para baixo. E estava com um problema de estar na listra negra da televisão. O César fez um arranjo pra aquela música que começa com aquele acordeão parecendo caixinha de tirar sorte. Eu olhei pra ele, que me devolveu o olhar como se dissesse: “É sua”. Aquela introdução é do tipo “prepare seu coração pras coisas que eu vou contar”. Eu desmontei ali. Quando ela botou voz, e eu percebi principalmente que ela estava botando mais a emoção do que a técnica, aí eu desbundei. Quando acabou a música, percebi que a anistia ia sair. Estávamos no começo da campanha, que mal juntava quinhentas pessoas na rua. Eu tinha todo o cuidado de falar do meu irmão nas cartas da IstoÉ quando o Aldir Blanc fez a letra que falava do meu irmão, ele nem sabia o nome dele. Eu percebi uma coisa: a ditadura, o governo vai perceber que por trás dessa música não tem quem segure o momento da anistia. Escrevi para o meu irmão Betinho para ele se preparar. “Agora nós temos um hino e quem tem um hino faz uma revolução.” E de fato não deu outra, aquele negócio cresceu de tal maneira que tenho certeza que aquilo pesou para o comício passar das quinhentas para as cinco mil pessoas. E aí nos comícios era só tocar a musica e assistir. Acho que seis meses depois saiu a anistia, antes mesmo que a oposição tivesse condições de gerir aquilo, de propor outras fórmulas. No dia em meu irmão chegou, ainda havia um clima de saber se ele ia ser preso ou não. Todas as pessoas levaram um gravador com a fita da música. E no Aeroporto de Congonhas foi aquela tocação de O bêbado e a equilibrista. Até os policiais ficaram tocados. A TV Globo colocou a música no ar. Betinho chegou, e no mesmo dia levei-o ao Anhembi para ver o show da Elis. Ela interrompeu o espetáculo para dizer que um dos motivos daquela música, graças a Deus, estava presente. Já tinha voltado o irmão do Henfil. Era como se Elis me dissesse: “Estamos quites”. Já não me olhava com um jeito culpado.

“Elis era a voz do estômago do Brasil inteiro. Eu me sinto agora mais tranquilo, porque passo a ser uma espoleta de uma grande explosão, de uma grande artista. E foi aí que aprendi uma coisa: arte e caráter não têm absolutamente uma coisa a ver com a outra, infelizmente. Ou felizmente.”

(Do livro “Furacão Elis, de Regina Echevarria)

Herbert José de Sousa, conhecido como Betinho, (Bocaiúva, Minas Gerais, 3 de novembro de 1935Rio de Janeiro, 9 de agosto de 1997) foi um sociólogo e ativista dos direitos humanos brasileiro. Concebeu e dedicou-se ao projeto Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.

Foi homenageado como “o irmão do Henfil” na canção “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, gravada por Elis Regina, na época da Campanha pela Anistia aos presos e exilados políticos. Anistiado em 1979, voltou ao Brasil.

O bêbado e a equilibrista

Aldir Blanc e João Bosco

Caía a tarde feito um viaduto,
E, um bêbado trajando luto,
Me lembrou Carlitos.
A lua, tal qual a dona do bordel,
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel.

E nuvens, lá no mata-borrão do céu,
Chupavam manchas torturadas.
Que sufoco!
Louco!
O bêbado, com chapéu-coco,
Fazia irreverências mil
Pra noite do Brasil.
Meu Brasil!

Que sonha com a volta do irmão do Henfil,
Com tanta gente que partiu,
Num rabo de foguete.
Chora...
A nossa Pátria mãe gentil,
Choram Marias e Clarices,
No solo do Brasil.

Mas sei que uma dor assim pungente,
Não há de ser inutilmente
A esperança.
Dança, na corda bamba de sombrinha,
E, em cada passo dessa linha,
Pode se machucar.

Azar!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista,
Tem que continuar...


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