(Contado por Carlos
Lyra)
Antônio Carlos Jobim e Carlos Lyra
Depois de separado de sua quarta
mulher, Vinicius vinha mantendo um romance secreto com Nelita, cujos pais se
recusavam terminantemente a acolher o poeta. Um dia, em minha casa, sentados à
mesa da cozinha tomando café, me preocupou a melancolia de meu parceiro em
relação a seu amor proibido: “Por que você não a rapta?”, perguntei de chofre.
Ele ficou mudo por um instante e logo foi atacado por um risinho nervoso:
“Raptar, é, parceirinho? Sabe que é uma boa ideia!” Daí em diante, foi um tal
de irem levando lá pra casa as bagagens da noiva e o enxoval de que os pais não
poderiam sequer desconfiar da existência. Vinicius conseguira, às pressas, um
posto diplomático em Paris, e comprou as duas passagens para o mesmo dia em que
eu viajava para Nova York. Assim foi que Tom Jobim acabou sorteado para me
substituir na escolta dos noivos ao aeroporto. Suas primeiras palavras, ao
chegar em minha casa, foram: “Aquele tiro
que seria pra você, vai sobrar pra mim...”
Dois dias após o rapto, os pais da noiva
anunciavam nos jornais:
“Temos o prazer de comunicar o
casamento de nossa filha Nelita com o poeta Vinicius de Moraes.”
*****
(...) Quando a cortina do Carnegie Hall
se abriu, foi para uma plateia lotada e a câmeras de televisão da Costa Leste à
Costa Oeste a postos para registrar o evento. O concerto de Bossa Nova teve
início com uma mulher que adentrou o palco brandindo maracás freneticamente, no
mais tradicional estilo latino de Hollywood. Seguiu-se um violonista armado de
guitarra (elétrica!) que apresentou números do mais insuspeito teor
malabarístico, até tocando o instrumento nas costas! Como se tudo isso não
bastasse, num dado momento saltou para o palco um personagem de origem
nitidamente caucasiana, mas que, ao ruído de um baticum imitando bateria de
escola de samba, executou intrincado passos e movimentos que mais sugeriam as
convulsões de um mestre-sala em delírio (...).
Naquele momento me dei conta do
equívoco resultante de nossa inexperiência e saí pelos bastidores disposto
mesmo a subverter a ordem. A um canto, encontrei Tom Jobim arriado em um
tamborete, os cabelos caindo lisos sobre a testa e uma expressão de sofrimento
só igualado ao meu. “Tom, você está vendo
isso?”, perguntei. “Estou”,
respondeu quase sem voz. “Então”,
arrematei, “vamos chamar o Bonfá, o João,
o Menescal, todo mundo que veio pra cá fazer isso a sério, pegamos o avião e voltamos já pra casa!” Tom me olhou
desolado, suspirou fundo e perguntou: “Você
assinou aquele papel?” (o contrato de apresentação) Cerrei os olhos,
pressentindo o que vinha e respondi: “Assinei,
Tom.” “Então, Carlinhos”, gemeu ele,
“aqui não se pode fazer isso não. Aqui tem cadeira elétrica!”
(Do livro “Carlos
Lyra: Eu & a Bossa
– Uma história da Bossa Nova”)
– Uma história da Bossa Nova”)
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