sábado, 11 de maio de 2019

Dois grandes sustos de Antônio Carlos Jobim

(Contado por Carlos Lyra)


Antônio Carlos Jobim e Carlos Lyra

Depois de separado de sua quarta mulher, Vinicius vinha mantendo um romance secreto com Nelita, cujos pais se recusavam terminantemente a acolher o poeta. Um dia, em minha casa, sentados à mesa da cozinha tomando café, me preocupou a melancolia de meu parceiro em relação a seu amor proibido: “Por que você não a rapta?”, perguntei de chofre. Ele ficou mudo por um instante e logo foi atacado por um risinho nervoso: “Raptar, é, parceirinho? Sabe que é uma boa ideia!” Daí em diante, foi um tal de irem levando lá pra casa as bagagens da noiva e o enxoval de que os pais não poderiam sequer desconfiar da existência. Vinicius conseguira, às pressas, um posto diplomático em Paris, e comprou as duas passagens para o mesmo dia em que eu viajava para Nova York. Assim foi que Tom Jobim acabou sorteado para me substituir na escolta dos noivos ao aeroporto. Suas primeiras palavras, ao chegar em minha casa, foram: Aquele tiro que seria pra você, vai sobrar pra mim...

Dois dias após o rapto, os pais da noiva anunciavam nos jornais:

“Temos o prazer de comunicar o casamento de nossa filha Nelita com o poeta Vinicius de Moraes.”

*****

(...) Quando a cortina do Carnegie Hall se abriu, foi para uma plateia lotada e a câmeras de televisão da Costa Leste à Costa Oeste a postos para registrar o evento. O concerto de Bossa Nova teve início com uma mulher que adentrou o palco brandindo maracás freneticamente, no mais tradicional estilo latino de Hollywood. Seguiu-se um violonista armado de guitarra (elétrica!) que apresentou números do mais insuspeito teor malabarístico, até tocando o instrumento nas costas! Como se tudo isso não bastasse, num dado momento saltou para o palco um personagem de origem nitidamente caucasiana, mas que, ao ruído de um baticum imitando bateria de escola de samba, executou intrincado passos e movimentos que mais sugeriam as convulsões de um mestre-sala em delírio (...).

Naquele momento me dei conta do equívoco resultante de nossa inexperiência e saí pelos bastidores disposto mesmo a subverter a ordem. A um canto, encontrei Tom Jobim arriado em um tamborete, os cabelos caindo lisos sobre a testa e uma expressão de sofrimento só igualado ao meu. “Tom, você está vendo isso?”, perguntei. “Estou”, respondeu quase sem voz. “Então”, arrematei, “vamos chamar o Bonfá, o João, o Menescal, todo mundo que veio pra cá fazer isso a sério, pegamos o avião e voltamos já pra casa!” Tom me olhou desolado, suspirou fundo e perguntou: Você assinou aquele papel?” (o contrato de apresentação) Cerrei os olhos, pressentindo o que vinha e respondi: Assinei, Tom.” “Então, Carlinhos”, gemeu ele, “aqui não se pode fazer isso não. Aqui tem cadeira elétrica!”

(Do livro “Carlos Lyra: Eu & a Bossa
 – Uma história da Bossa Nova”)

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