domingo, 20 de dezembro de 2020

A Formiga Boa

 Monteiro Lobato

Houve uma jovem cigarra que tinha de chiar ao pé do formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas. 

Mas o tempo passou e vieram as chuvas. Os animais todos, arrepiados passavam o dia cochilando nas tocas. 

A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em apuros, deliberou socorrer-se de alguém. 

Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se foi para o formigueiro. Bateu − tique, tique, tique... 

Aparece uma formiga friorenta embrulhada num xalinho de paina. 

− Que quer? − perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir. 

− Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu vivo ao relento. 

A formiga olhou-a de alto a baixo. 

− E que fez durante o bom tempo, que não construiu uma casa? 

A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois dum acesso de tosse: 

− Eu cantava, bem sabe... 

− Ah! ... exclamou a formiga, recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas? 

− Isso mesmo, era eu... 

− Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraia e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade termos como vizinha tão bela cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo. 

A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.

**** 

(Do livro “Fábulas”, de Monteiro Lobato) 

Vamos aprender? 

Faina: atividade intensa

Tulha: celeiro, silo.

Labutar: esforçar-se, trabalhar.

Paina: fibra natural semelhante ao algodão.
Manquitolar: mancar, coxear
 

Monteiro Lobato fez, nesta fábula, uma releitura da versão de La Fontaine em que a formiga não foi generosa com a cigarra. Monteiro Lobato, considerou o cantar da cigarra como um trabalho ao passo que La Fontaine viu como vagabundagem.



Nenhum comentário:

Postar um comentário