segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Assassinato ou suicídio?

 

Getúlio Vargas, morto, com o furo da bala em seu peito. 

A morte de Getúlio Vargas continua despertando interesse e polêmica. Volta e meia, alguém me pergunta se o presidente se matou ou foi assassinado. Tudo aconteceu em 24 de agosto de 1954, há exatos 56 anos*. A teoria do assassinato sempre teve defensores. Nunca encontrou, no entanto, evidências. Apaixona. Vargas tinha muitos inimigos. Estava no meio de um “mar de lama”. Mas, dificilmente, poderia ser assassinado em seu quarto, no Palácio do Catete, cercado de amigos, familiares e seguranças, ao final de uma noite histórica na qual aceitara pedir um afastamento temporário do governo. As teorias conspiratórias sempre fascinam. Em meu livro “Getúlio”, esse fantasma está presente. Falando nisso, se me permitem a gabolice, meu “Getúlio” vai sair no Japão, com tradução de Hamaoka, um apaixonado pelo Brasil. 

Quando reescrevi esta passagem de “Getúlio”, no Rio de Janeiro, numa madrugada de Carnaval, fui às lágrimas: 

- Um tiro! − exclama Barbosa.

- Foi aqui?, pergunta o major Hélio Dornelles.

- Foi. 

- Alzira, seu pai, grita uma voz quase estranha, talvez pelo pânico, sacudindo, pelos ombros a filha de Vargas. 

Precipitam-se todos para o quarto. Estendido na cama, braços abertos, uma perna para fora do leito, Getúlio agoniza. Dornelles é um dos primeiros a vê-lo assim. Quando Alzira entra, Getúlio ainda lhe sorri, enquanto o sangue que salta do orifício no pijama de listras inunda-lhe a blusa. A filha repete como um autômato: “Não pode ser, não pode ser, tu me prometeste”. Adalgisa chega com Dona Darcy e ainda sente os últimos espasmos do corpo. Getúlio busca, com os olhos congestionados, o rosto de Darcy. Caiado de Castro irrompe e desmaia. Horas depois, dirá: “Getúlio Vargas morreu de um coice de Bejo Vargas”. Amaral Peixoto socorre a sua mulher. Lutero, acordado por Zarattini, em prantos, examina o corpo do pai, toma-lhe o pulso, pede ao doutor Flávio que ausculte o moribundo. Acabou. 

Guilherme Arinos olha para o cadáver e sente a pior dor da sua vida, a dor da perda do homem que lhe mudara para sempre a vida. Lá fora, a multidão já reza. Arísio Viana, diretor do Dasp e amigo de Getúlio, grita que não podiam ter deixado o presidente sozinho. Depois, prático, começa a tirar-lhe o pijama. Chegam o médico e os legistas. Lutero quer uma autópsia. Toca o telefone na Redação da Última Hora. Luís Costa, titular da coluna “O Dia do Presidente”, berra para um Samuel Wainer repentinamente incapaz de ouvir bem: “O presidente acaba de se dar um tiro no coração”. O Profeta corre à oficina do jornal, recupera a página composta do dia anterior e prepara uma “cartola”, um simples “chapéu” para o título da edição morta: “Ele cumpriu a promessa - Só morto sairei do Catete”. Depois, senta-se e chora convulsivamente. A Tribuna da Imprensa preferiu um quase discreto e neutro “Suicidou-se Getúlio Vargas”. 

Contei essa história a um amigo de esquerda. Ele me gozou: “Você chorou por um ex-ditador”, disse. Que coisa! 

Juremir Machado da Silva

Correio do Povo de 24 de agosto de 2010. 

*Ano da publicação da crônica. 

“cartola” – “chapéu” gíria jornalística para títulos de última hora para a edição de um jornal


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