quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Joel Silveira e os literatos

 


- E então, Ruy Barbosa encarou a plateia internacional, lá em Haia, e indagou: “Em que idioma os senhores querem que eu discurse?” 

Todo mundo sabe que o fato não aconteceu, ao menos como o descreve a gabolice baiana, mas se realmente tivesse havido aquela sessão da Conferência de Haia e à mesma eu tivesse presente, não tenham dívida. Logo tivesse escutado Ruy Barbosa indagar dos demais delegados em que língua preferiam escutá-lo, eu teria gritado lá do fundo da sala: 

- Em chinês! 

Só para ver o baiano perder o rebolado. 

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Vez por outra me lembro do conselho que um dia me deu Graciliano Ramos: 

- Fuja do gerúndio como o diabo da cruz. 

Para ele era fácil. Creio mesmo que o gerúndio é que fugia dele. 

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Impossível imaginar Machado de Assis fazendo amor com Dona Carolina. 

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No final de cada romance de Jorge Amado devia constar a seguinte advertência: “Este livro, continuação do anterior, continua no próximo”. 

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Historinha contada por José Cândido de Carvalho, com quem eu adorava conversar, particularmente quando a conversa era sem assunto, o que sempre acontecia: 

“Ao assumir a Prefeitura de Cipó dos Índios, todo de preto e de óculos, Cupertino Varjão deu socos na mesa e falou: 

- Cuidado comigo! Vou limpar a administração. 

Limpou. Deu um desfalque de deixar a Prefeitura de Cipó dos Índios desfalecida por vinte anos”. 

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Perguntaram ao poeta Murilo Mendes, católico praticante: 

- Afinal, Deus existe ou não? 

- Existe, mas não funciona. 

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De Albert Einstein: 

“Se for provado que a minha Teoria da Relatividade está certa, os alemães me chamarão de alemão, os suíços de cidadão suíço e os franceses de grande cientista. Caso contrário, os franceses me chamarão de suíço, os suíços de alemão e os alemães de judeu”. 

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Outra de Guilherme Figueiredo: 

Ouvi um jovem dizer ao pai: 

“Você tem obrigação de me sustentar. Não nasci porque quis, mas porque você me botou no mundo!”. 

O pai desmanchava-se em lágrimas de humilhação. Falou ao moço: 

“Meu caro, você não nasceu porque quis. Você é um espermatozoide que ganhou uma corrida apostada com uns quatrocentos milhões de irmãos seus! Se já não está satisfeito com a maratona, suicide-se!” 

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Ensinava o Barão de Itararé: 

- A mulher deve casar. O homem, não. 

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Joel Silveira disse um dia: 

Nunca li nenhum livro deles, mas não dever ser boa leitura um livro que é dedicado “aos meus queridos pais” “ou “à minha amada esposa”. 


Joel Silveira nasceu em Aracaju (SE), em 1918 e, em 1937, veio para o Rio de Janeiro, onde conviveu com artistas e intelectuais como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. Famoso pela mordacidade, destacou-se como jornalista e escritor. Cobriu fatos que marcaram a vida política do país. Sua primeira matéria de destaque saiu em 1943, na revista carioca Diretrizes de Samuel Wainer. Trabalhou posteriormente com Assis Chateaubriand nos Diários Associados, em que atuou como correspondente na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Recebeu os prêmios Líbero Badaró, Esso Especial, Jabuti, Golfinho de Ouro e Machado de Assis, o mais importante da Academia Brasileira de Letras, em 1998, pelo conjunto de sua obra. Faleceu em agosto de 2007 no Rio de Janeiro. 

(Grupo Companhia das Letras) 



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