sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Estranhos frutos

 Luís Fernando Veríssimo

Billie Holiday não podia cantar Strange Fruit (Estranho Fruto) quando e onde quisesse. Muitas vezes a permissão para cantar a canção dependia de uma negociação como dono do bar ou o promotor do evento, preocupados com a reação do público, na sua maioria branco. A gravadora Columbia, da qual Billie era contratada, recusou-se a gravar Strange Fruit. Bille teve que recorrer a uma gravadora menor e, em 1939, lançou a incômoda canção junto com um certo Lewis Allan, pseudônimo de um professor judeu do Bronx chamado Abel Meeropol, autor do poema musicado por Billie, e sobre quem se sabe muito pouco. Meeropol, autor do poema musicado por Billie, (...) que ela transformou em letra foi em reação ao linchamento de dois afro-americanos no sul dos Estados Unidos, caçados e enforcados por nenhuma outra razão além da cor da sua pele. Há uma foto (acima) dos dois corpos pendendo, como estranhos frutos, do galho de um álamo, cercados por uma multidão de brancos com uma coisa em comum: todos sorriem de satisfação pelo que acabam de fazer.

 (...)

 Linchamentos eram comuns no sul do país. Enquanto o Sul fornecia exemplos repetidos de selvageria racista, o resto do país vivia uma contradição que o estranho sucesso de Strange Fruit tipificou, a de um racismo que não se reconhecia, que amava Billie Holiday, lamentava a selvageria, admirava o poema, mas não se envolvia. A grande novidade das atuais manifestações antirracistas nos Estados Unidos é a participação de jovens brancos, que resolveram se envolver.

                   (No jornal Zero Hora, 10 de setembro de 2020)

Strange Fruit

Abel Meeropol

                          “Southern trees bear strange fruit,

Blood on the leaves and blood at the root,
Black bodies swinging in the southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.

                          Pastoral scene of the gallant south,

The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolias, sweet and fresh,
Then the sudden smell of burning flesh.

                           Here is fruit for the crows to pluck,

For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for the trees to drop,
Here is a strange and bitter crop.”

                                                  Estranho Fruto

                          “As árvores do Sul dão um estranho fruto,

Sangue nas folhas e sangue na raiz,
Corpos negros balançando à brisa do sul,
Estranhos frutos pendurados nos álamos.

                           Uma cena pastoral e galante sulista,

Os olhos saltados e a boca torcida,
Perfume de magnólias, doce e fresco,
E então o repentino cheiro de carne queimando.

                           Aqui está a fruta para os corvos depenarem,

Para a chuva enrugar, para o vento sugar,
Para o sol apodrecer, para as árvores derrubarem,
Esta é uma estranha e amarga colheita.”

Billie Holiday morreu ainda jovem, em 1959. Tinha 44 anos e foi devastada pelo abuso do álcool e de drogas. Mas nunca deixou de cantar a canção inquietante que, naqueles anos, foi frequentemente associada à luta por causas progressistas e avançadas. Foi cantada por ela na comemoração do 1º de Maio de 1941, na Union Square, em Nova York. Foi usada, por exemplo, pelo Comitê de Artes Cênicas de Nova York para pressionar os senadores pela proibição dos linchamentos. Na eleição de 1943 embalou a campanha de Ben Davis Jr, o primeiro negro e comunista a ser eleito vereador em Nova York, novamente cantada por ela.

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