terça-feira, 22 de setembro de 2020

Lives e Links

 Juremir Machado da Silva

Essas palavras já estão de tal modo incorporadas ao nosso cotidiano que não exigem mais destaque em itálico ou entre aspas. Todo dia, a gente diz ou ouve com a maior naturalidade frases assim:

− Não deixa de me mandar o link.

− Tranquilo. A nossa live vai bombar.

Quase nunca bomba, mas se toma mate amargo durante o evento. É link e live o tempo todo. A conversa pode tomar rumos curiosos.

− Qual o aplicativo? Streamyard?

− Não, vai ser no Meet.

− Ainda usando o Mano.

− Nunca ouvi falar. Eu usava muito o Hangout.

Rola. As pessoas se entendem. Os mais deslumbrados tiram uma onda. Usam aquela condescendência que os faz dormir maravilhados:

− Sabe o Webex? Se não sabe, eu te mostro. É bem simples.

Só não participa de live quem está morto. Em geral, de medo de não corresponder à expectativa. O mate roda e a conversa prossegue:

− Qual a plataforma do curso on-line?

− Vimeo.

− E da live?

− Vamos pegando o Streamyard para ter multiplataforma: Twitter, Facebook e YouTube. Só não dá pra jogar no Insta. É uma limitação.

Insta, claro, é o Instagram para os íntimos. E quem não é íntimo? Com as redes sociais só não vai quem se atrasou. Dizer que está fora é se condenar ao desprezo da sociedade por cem anos. Na educação, o Zoom deita e rola. O que mais se ouve é “tipo assim”.

− Te mando o link.

− Vou poder compartilhar a tela?

− Óbvio. Compartilhar a tela, gravar e usar tradução simultânea.

− Tu serás o anfitrião?

− Sim. Te ponho como “co”.

− Sextou.

Vez ou outra, dá rolo. A moça ficou indignada. Falava ao celular, de máscara, enquanto atravessava a rua com o sinal fechado:

− Me mandaste o link errado. Não era a fala da Greta Thumberg.

− Puxa! Que houve?

− Entrei na sala errada.

− Quem estava falando?

− O Steve Bannon.

É um mundo novo no qual tudo envelhece rápido, especialmente os usuários. Numa live sobre nostalgia um cara pediu o e-mail do outro:

− E-mail? Que negócio é esse?

− Correio eletrônico, pô!

− Isso não é do tempo do fax?

Noutra live, que nada acontece fora das lives, a menina falou com uma candura que me fez pensar nos tempos da inocência presencial:

− Tem cripto?

− Claro. Totalmente segura.


                       (Do Correio do Povo, setembro de 2020)


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